O Carnaval está quase no fim e José Roberto Arruda ainda não desfilou. Pela primeira vez após a redemocratização do País um governador foi preso preventivamente, instituto regulado no art. 312 do CPP:
“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”.
A inédita decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) atendeu a pedido do Ministério Público Federal (MPF). Doze dos quinze ministros da Corte Especial decidiram mandar o governador passar o reinado de Momo na cadeia. Só os juízes Nilson Naves e Teori Albino Zavascki foram contrários ao encarceramento. O presidente do tribunal não votou no mérito.

Como é de costume, os advogados de Arruda impetraram imediatamente um habeas corpus no STF contra a decisão do STJ. Muita gente previu que o ministro Marco Aurélio, um dos mais liberais do STF, concederia a liminar no HC 102.732. Fui uma dessas “madames Beatriz” e me dei mal na futurologia. Marco Aurélio fugiu completamente do seu tradicional script e manteve a prisão preventiva de Arruda.
O pedido do MPF foi calcado nos crimes de corrupção de testemunha e de falsidade ideológica, atos de que o governador Arruda teria tomado parte diretamente, a fim de atrapalhar as investigações realizadas no Inquérito 650/DF, em curso no STJ.
Como a prisão é cautelar (não definitiva), cumpria ao MPF apresentar denúncia (acusação formal) contra o governador, pedindo a abertura de ação penal. Isto foi feito logo em seguida. Na denúncia, o MPF imputou a Arruda os crimes dos arts. 299, parágrafo único, e 343, parágrafo único, do Código Penal.
Na peça acusatória, o MPF também pediu o afastamento do governador, assim como a declaração incidental de inconstitucionalidade do artigo 60, inciso XXIII, da Lei Orgânica do Distrito Federal. Este artigo condiciona a instauração da ação penal a licença prévia da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Sem a autorização da CLDF o governador não poderá ser réu enquanto estiver no cargo. Tratei deste tema noutro post. Leia aqui. Agora, o STJ poderá reconhecer a inconstitucionalidade incidenter tantum deste dispositivo.
Pitada de pimenta: além da exemplaridade da prisão, o ministro Marco Aurélio acrescentou certo tempero a sua decisão. Veja:
“Indefiro a liminar. Outrora houve dias natalinos. Hoje avizinha-se a festa pagã do carnaval. Que não se repita a autofagia.”
O trecho assinalado é um aviso nada sutil dado pelo ministro Marco Aurélio ao ministro Gilmar Mendes. A referência ao Carnaval diz respeito ao plantão judicial do período. A menção a “autofagia” fala do clima pesado dentro do STF. Lembram do caso Sean Goldman? Nos mandados de segurança 28.524 e 28.525, Gilmar Mendes cassou decisão do ministro Marco Aurélio no HC 101.985 que impedia a viagem do garoto para os Estados Unidos. Juiz contra juiz. Eis a parte final da decisão do presidente do STF naquela ocasião:
“Ante o exposto, defiro o pedido liminar para sustar os efeitos da decisão liminar proferida pelo Ministro relator do HC n. 101.985/RJ, do Supremo Tribunal Federal, restaurando-se os efeitos da decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região na Apelação Cível n.º 2008.51.01.018422-0″.
Essa “autofagia” ocorreu no Natal!