Leis do tipo Magnitsky como métodos unilaterais anticorrupção e meios de prevenção a graves violações de direitos humanos


O túmulo de Sergei Magnitsky em Moscou. Foto de Mikhail Voskresensky para a Reuters.

     Em dezembro de 2018, o governo norte-americano anunciou que o presidente do Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua, a corte eleitoral do país, sofreu sanção de proibição de entrada nos Estados Unidos, com base no Global Magnitsky Human Rights Accountability Act (GMA), uma lei de 2016. 

    A inclusão desse alto magistrado nicaraguense na lista suja de pessoas banidas pelo Departamento de Estado norte-americano foi feita com base na Lei Magnitsky, devido a seu suposto envolvimento em significativos atos de corrupção em seu país.

    A Global Magnitsky Act destina-se a punir autores de graves violações de direitos humanos internacionalmente reconhecidos e pessoas responáveis por significativos atos de corrupção (acts of significant corruption) em qualquer lugar do mundo, evitando que violadores usem o sistema financeiro dos EUA ou atuem em seu território em proveito de tais condutas ilícitas, ou descumpram sua política externa e ofendam a segurança nacional.

    A Lei Magnitsky de 2016 (GMA) autoriza os Departamentos de Estado e do Tesouro dos EUA a imporem sanções migratórias, como negativa ou revogação de vistos (visa bans) e restrições patrimoniais (congelamento de ativos nos Estados Unidos), a cidadãos estrangeiros envolvidos em violações a DDHH ou em corrupção de larga escala. Pessoas físicas e jurídicas submetidas às leis dos Estados Unidos também ficam proibidas de manter relações jurídico-financeiras com as pessoas listadas (restrições negociais).

   Conforme a GMA, indivíduos e pessoas jurídicas podem ser punidos se praticarem “extrajudicial killings, torture, or other gross violations of internationally recognized human rights”. Diversos tratados listam os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Podemos citar o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 e a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, que tutelam os direitos a vida, às liberdades públicas e à integridade física, por exemplo.

    Também podem ser punidas com base na GMA as autoridades públicas ou seus cúmplices que se envolverem em “acts of significant corruption“, que são definidas pelo montante dos valores subtraídos ou desviados e pela magnitude dos danos causados à população.

    Na sua primeira versão, de 2012, a Lei Magnitsky reprimia apenas condutas de cidadãos da Federação Russa, como a que vitimou o whistleblower russo Sergei Magnitsky, um advogado que expôs um enorme esquema de corrupção em seu país, que consistiu na apropriação de milhões de dólares de tributos pagos pela investidora britânica Hermitage Capital. Magnitsky teria sido torturado e morto em Moscou, quando estava sob custódia de autoridades russas em 2009.

    Em 2016, a lei foi emendada para ter alcance global em casos de grande corrupção e de graves violações de direitos humanos, independentemente de onde ocorram.

    O decreto federal (Executive Order) 13818, assinado por Donald Trump em 21 de dezembro de 2017, regulamenta a aplicação das sanções, com a seguinte exposição de motivos:

(T)he prevalence and severity of human rights abuse and corruption that have their source, in whole or in substantial part, outside the United States, such as those committed or directed by persons listed in the Annex to this order, have reached such scope and gravity that they threaten the stability of international political and economic systems. Human rights abuse and corruption undermine the values that form an essential foundation of stable, secure, and functioning societies; have devastating impacts on individuals; weaken democratic institutions; degrade the rule of law; perpetuate violent conflicts; facilitate the activities of dangerous persons; and undermine economic markets. The United States seeks to impose tangible and significant consequences on those who commit serious human rights abuse or engage in corruption, as well as to protect the financial system of the United States from abuse by these same persons.

   Além do juiz nicaraguense, a lista de banidos pela GMA inclui o senador dominicano Felix Ramon Bautista Rosario por corrupção em projetos de reconstrução do Haiti após o terremoto de 2010. Cinco pessoas jurídicas ligadas ao político também foram listadas pelo governo americano.

    Em novembro de 2018, a lista de pessoas punidas com sanções migratórias e bloqueio de ativos cresceu com a inclusão de 17 cidadãos sauditas envolvidos na tortura e morte do jornalista Jamal Khashoggi e na ocultação do seu cadáver. O crime ocorreu dentro do consulado saudita em Istambul.

    A Lei Magnitsky é mais uma ferramenta unilateral de grande utilidade para ampliar o rule of law no que diz respeito a esses dois importantes temas da atualidade. Outros países seguiram o exemplo dos Estados Unidos e aprovaram leis semelhantes, como foi o caso do Reino Unido, que modificou o Criminal Finances Act 2017 e o Sanctions and Anti-Money Laundering Act 2018 para incluir graves violações de direitos humanos (gross violation of human rights) como motivos para a imposição de sanções migratórias e finaceiras a pessoas físicas e jurídicas, no que for cabível. Duas das finalidades da legislação britânica de 2018 são “provide accountability for or be a deterrent to gross violation of human rights” (art. 1.2.f).  “promote respect for democracy, the rule of law and good governance” (art. 1.2.i). 

    O Canadá também já se valeu de sua lei, que entrou em vigor em 2017, para impor sanções a autoridades da Rússia, do Sudão do Sul e da Venezuela. Entre as pessoas listadas por Ottawa está Nicolas Maduro. A lei canadense é denominada Justice for Victims of Corrupt Foreign Officials Act (Sergei Magnitsky Act)e, além das sanções aos perpetradores de violações, impõe deveres de compliance a instituições financeiras e empresas multinacionais e serve como mecanismo adicional de proteção a whistleblowers e a ativistas anticorrupção e defensores de direitos humanos.

    Sanções inteligentes, que visam a limitar os deslocamentos de pessoas específicas e a restringir suas atividades econômico-financeiras são chamadas de targeted sanctions e são muito eficientes quando um julgamento perante a Justiça criminal local não pode ser realizado, ou quando o princípio da extraterritorialidade não pode ser aplicado por falta de cooperação jurídica internacional ou devido a outras condições estruturais do Estado, especialmente a existência de regimes totalitários, não comprometidos com o rule of law. Há vários regimes legais de designação para formação de listas nacionais, que miram autores de lavagem de dinheiro e terrorismo, por exemplo.

    Segundo o Departamento de Estado norte-americano:

The Global Magnitsky Act empowers the United States to take significant steps to protect and promote human rights and combat corruption around the world.

    Muitos dos esquemas de grande corrupção alcançados pela GMA dos Estados Unidos e de leis semelhantes de outros países têm relação direta com a violação de direitos humanos, como é evidente no caso do senador dominicano Felix Bautista, que teria cometido enriquecimento ilícito em detrimento do povo haitiano, vítima do catastrófico sismo de 2010.

    No Brasil, medidas semelhantes são possíveis apenas no que diz respeito aos aspectos migratórios, mas em menor extensão. Segundo o art. 45, incisos II, III e IV, da Lei 13.445/2017, poderá ser impedida de ingressar no País, após entrevista individual e mediante ato fundamentado, a pessoa condenada ou ré em ação penal por ato de terrorismo ou por crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão, nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998; ou a pessoa condenada ou ré noutro país por por crime doloso passível de extradição segundo a lei brasileira; ou ainda que a pessoa tenha o nome incluído em lista de restrições por ordem judicial ou por compromisso assumido pelo Brasil perante organismo internacional, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas.

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