Agora são 17 bi


A rede normativa destinada a facilitar a cooperação penal internacional no Brasil vem aumentando paulatinamente. Há poucos dias comentei sobre a entrada em vigor do MLAT – Mutual Legal Assistance Treaty entre o Brasil e a Nigéria, com a publicação do Decreto 7.582/2011.

Agora dois novos acordos de assistência jurídica penal passam a viger.

O primeiro desses tratados foi veiculado pelo Decreto 7.595/2011 e vincula o Brasil e o México num acordo de cooperação penal firmado na capital mexicana em 2007.

O segundo, publicado pelo Decreto 7.596/2011, é o Tratado entre a República Federativa do Brasil e a República do Panamá sobre auxílio jurídico mútuo em matéria penal, assinado na capital panamenha também em 2007.

Em grande medida esses MLATs foram elaborados segundo o Tratado Modelo sobre Assistência Mútua em Matéria Penal, adotado pela Assembléia Geral da ONU, como resolução 45/117 segundo a recomendação do VIII Congresso sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em dezembro de 1990.

Os dois novos tratados contêm regras gerais sobre assistência jurídica recíproca no campo criminal, regulam a tomada de depoimentos por videoconferência, disciplinam a partilha de ativos e permitem medidas cautelares penais, entre outras providências. A autoridade central brasileira é o Ministério da Justiça. Entretanto, as Partes podem, a qualquer momento, designar outra autoridade central, mediante a troca de notas diplomáticas.

O Panamá é um dos maiores entrepostos das Américas e tem um aeroporto que funciona como um dos hubs do continente. O país é seccionado pelo canal interoceânico Atlântico-Pacífico que leva o seu nome. Devido às suas áreas de livre comércio (free trade and tax zones), os problemas criminais que o Brasil enfrenta com o Panamá estão relacionados à constituição de empresas offshore em benefício de brasileiros, algumas das quais são usadas para lavagem de dinheiro e sonegação fiscal.

Com o México, a cooperação penal deverá ser mais intensa no combate ao narcotráfico. Como já relatei aqui, membros de carteis mexicanos já atuam no Brasil. Foi o que se viu na Operação Zapata, deflagrada em 2006 no Paraná. Além disto, o México se tornou uma rota comum para o tráfico de pessoas para fins de migração. “Coiotes” mexicanos fazem a travessia ilegal de brasileiros e latino-americanos de outras nacionalidades que pretendem ingressar clandestinamente nos Estados Unidos pela fronteira terrestre entre os dois países.

Com estes dois novos textos internacionais sobe para 17 o número de acordos bilaterais deste tipo em vigor para o Brasil. Listo-os em ordem alfabética:

  1. Canadá
  2. China
  3. Colômbia
  4. Coreia do Sul
  5. Cuba
  6. Espanha
  7. Estados Unidos
  8. França
  9. Itália
  10. México
  11. Nigéria
  12. Panamá
  13. Peru
  14. Portugal
  15. Suíça
  16. Suriname
  17. Ucrânia

Além destes, temos o Protocolo de San Luis, que rege a matéria entre os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai). Em 2001, Bolívia e Chile firmaram um tratado com o Mercosul e ingressaram no regime jurídico do protocolo, após a aprovação da Decisão Mercosul/CMC/Dec. 12 /2001. Com o iminente ingresso da Venezuela no bloco regional, o Brasil poderá cooperar na área penal com base em tratados com quase todos os países da América do Sul. As exceções são a Guiana (Georgetown) e o Equador (Quito), uma vez que a Guiana Francesa, na qualidade de departamento ultramarino da França, está coberta pelo tratado bilateral firmado entre Brasília e Paris em 1996.

Embora devamos aplaudir a celebração desses acordos binacionais, a vigência de convenções multilaterais em matéria penal acaba em certa medida por torná-los dispensáveis, pois as disposições de caráter geral sobre cooperação internacional presentes nas convenções da ONU, da OEA e do Mercosul suprem a falta de acordos bilaterais. E, quando estes documentos coexistem, os tratados multilaterais lhe são complementares. É o que se passa, por exemplo, com a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo) — e seus três protocolos sobre tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, tráfico de pessoas para fins de migração e tráfico de armas de fogo, suas peças, componentes e muniçöes —; com a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida); com a Convenção Interamericana sobre Assistência Mútua em Matéria Penal (Convenção de Nassau) e seu protocolo sobre crimes fiscais (Protocolo de Manágua); com a Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças Penais no Exterior (Convenção de Manágua); e com a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena).

A este arcabouço normativo encabeçado, no plano interno pela Constituição, somam-se o Código de Processo Penal (CPP), o Código Penal (CP), a Lei 6.015/80 (Estatuto do Estrangeiro), a Resolução n. 9/2005 do STJ, a Portaria Conjunta MJ/PGR/AGU n. 01/2005, a Portaria Interministerial MRE/MJ n. 501/2012, etc, configurando o microssistema brasileiro de cooperação internacional em matéria penal, que, consorciado ao de outros países, viabiliza a persecução criminal transnacional, na luta contra a impunidade de criminosos que se escondem atrás das linhas de fronteira. O crime globalizou-se. Assim também o fez o direito processual penal.

8 comentários

  1. Muitíssimo obrigado pela deferência a mim concedida, com suas duas respostas.
    Seu Blog agora é minha leitura obrigatória.
    Parabéns pelo estilo claro e preciso, de explicar assuntos complexos e importantes para o Brasil.
    Faço votos de muito sucesso para seu Blog, e também na sua vida profissional.
    Abraços,
    J. Hernandes

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  2. Mais uma pergunta: Por que o Brasil não fez este tipo de acordo com o Uruguai, que esta aqui ao nosso lado, e provavelmente, recheado de coisas que caberiam investigação?

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    • Com eles temos o Protocolo de San Luis, sobre assistência jurídica mútua em matéria penal no Mercosul. A Convenção Interamericana sobre Assistência Judiciária em Assuntos Penais (Convenção de Nassau) também é aplicável às relações brasilo-uruguaias.

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    • Não é ignorância, Hernandes. A pergunta é muito pertinente e envolve o status de Hong Kong como região administrativa especial (RAE, ou SAR em inglês) da República Popular da China. Sua dúvida poderia estender-se a Macau, outra RAE chinesa.

      Não tinha pronta resposta. Na pesquisa que realizei percebi que o art. 13 da Lei Fundamental da Hong Kong Special Administrative Region (Hong Kong SAR) determina que a RP da China é a responsável pelas relações exteriores de Hong Kong, mas autoriza esta RAE a firmar tratados em vários temas indicados no art. 151 da Lei Fundamental, inclusive nas modalidades MLA – Mutual Legal Assistance, TSP – Transfer of Sentenced Persons e SFO – Surrender of Fugitive Ofenders.

      Neste link estão os MLA firmados pela HKSAR com 25 países. O Brasil não está entre eles. O MLA Brasil/China não faz referência a Hong Kong nem à RAE de Macau.

      Portanto, presumo que o MLA Brasil/China não se aplica a Hong Kong nem a Macau. A ver.

      Porém, a Convenção de Mérida (anticorrupção) e a Convenção de Palermo (crime organizado), patrocinadas pela ONU e que contêm regras de cooperação penal em matéria penal, são aplicáveis ao Brasil e a Hong Kong: aqui.

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  3. Gosto bastante desses artigos que o senhor escreve sobre cooperação penal internacional, até porque é escasso o material de qualidade a respeito do tema, muitas vezes o que encontro é escrito por advogados ou pessoas que atuam somente no meio acadêmico, aí geralmente não tem nada de aproveitável. Se o senhor tiver informações a respeito, gostaria se saber como anda a implantação da Ameripol. Tentei pesquisar na internet a respeito, mas só achei o tratado constitutivo, e somente em sites do Chile e da Colômbia, encontrei informações de que o Brasil era membro, mas não dava detalhes se o tratado havia sido já aprovado pelo Congresso ou se apenas o Presidente havia assinado, no site do Ministério da Justiça nã achei nada a respeito.
    Abraço

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