A Cesare o que é de Cesare: arrivederci


Por que tantos criminosos internacionais se escondem no Brasil? A lista é vasta como as nossas verdes matas. Afinal, todo crente tem um credo. E o dos fugitivos de todo o mundo é o seguinte: “Deus é grande, mas o mato é maior”. Vou me esconder nas selvas brasileiras. Vou para o Rio!

Charge do Sponholz (www.sponholz.arq.br)

E assim veio Ronald Biggs, o assaltante do trem-pagador inglês, mais conhecido como o pai de Mike do Balão Mágico, aquele grupo infantil dos anos 1980. Recebemos Joseph Mengele, o médico nazista e o seu “correligionário” Franz Paul Stangl. Teve ainda Alfredo Stroessner, o ditador paraguaio. O homicida norte-americano Jesses James Hollywood também veio descansar nestes trópicos. Ponha na lista o traficante colombiano Juan Carlos Ramírez Abadía e seu compatriota Néstor Ramón Caro-Chaparro, preso há duas semanas no Rio. Não se esqueça da cantora mexicana Gloria Trevi ou do mafioso italiano Tomaso Buschetta. Nesse rol de ilustres visitantes, tem também o italiano Cesare Battisti. E nem contei as personagens do cinema e da literatura que fugiram para Ibirapitanga! Recebemos todos de portas bem abertas.

Acusado de quatro homicídios na Itália e condenado pela Corte de Apelações de Milão a prisão perpétua, em 1981 Battisti fugiu para o México e foi parar na França, onde o tribunal de grande instância de Paris veio a autorizar sua extradição para a Itália, em decisão confirmada por cortes superiores francesas e também pelo Conselho de Estado. Antes de ser entregue a Roma, em 2004 Battisti fugiu de novo, desta vez para o Brasil, onde teria ingressado mediante uso de passaporte falso, o que parece mostrar seu propósito de ocultar-se à Justiça. Nunca pediu refúgio. Só veio a fazê-lo em 2008 quando já estava preso em função do processo de extradição já em curso.

A decisão da Justiça francesa foi questionada por Battisti perante a Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH). Este tribunal não identificou qualquer ilegalidade nos procedimentos adotados pelo Judiciário italiano para chegar à condenação de Battisti e decidiu que houve respeito ao devido processo legal.

Agora a pergunta é: Cesare Battisti vai ser extraditado ou não? O presidente da República tem a palavra. O acórdão do STF foi publicado no dia 16/abr. Está autorizada a extradição do afamado ativista italiano. Porém, a entrega do preso ficará condicionada ao compromisso da Itália de comutar a pena de prisão perpétua, limitando-a a um sanção privativa de liberdade não superior a 30 anos (art. 75 do CP). Tudo foi decidido na Extradição 1.085, de espécie executória, requerida pela República Italiana, que teve como relator o ministro Cezar Peluso. Clique aqui para ler o acórdão.

Alegações de Battisti

Hove mobilização pró-Battisti no Brasil e na Europa.

Em sua defesa perante o STF, o extraditando alegou, entre outras coisas, que não pôde exercer seu direito de defesa na Itália, que sua condenação foi baseada exclusivamente numa delação premiada de Pietro Mutti, que ocorrera a prescrição da pretensão executória, que os atos que cometeu foram crimes políticos e que, se extraditado, estaria sujeito a perseguição política.

O ministro Peluso, em extenso e magnífico voto, afastou todos esses argumentos. No que diz respeito à delação premiada, registrou que: “[…] ninguém tem hoje, nem aqui nem alhures, dúvida sobre a legitimidade constitucional do instituto da delação premiada, introduzido, na Itália, no bojo de providências legislativas materiais e processuais destinadas a responder ao surto de novas formas de criminalidade organizada […] E entre nós esta Corte não lhe tem negado validez como expediente útil de investigação e, até, como prova subsidiária, no sentido de que de per si não basta para veredicto condenatório, não obstante sirva de considerável apoio ou reforço a outros elementos de convicção”.

Portanto, a decisão brasileira vai na mesma linha do acórdão proferido pelo Tribunal de Recursos de Paris, em junho de 2005, e pela CEDH em dezembro de 2006, que admitiram a extradição de Battisti.

Quais são as opções do presidente?

Com a publicação do acórdão do STF, abrem-se duas possibilidades para o presidente da República: entregar Battisti à Itália, ou não entregá-lo. Na derradeira hipótese, deverá precaver-se e conseguir uma boa razão para a recusa. Há um forte movimento no Brasil pela libertação de Battisti.

A decisão do presidente não é de arbítrio, pois está delimitada pelo princípio da legalidade. Como o STF, em preliminar da extradição, considerou ilegal a concessão de refúgio, para que Battisti permaneça no Brasil, o presidente deverá encontrar outro fundamento legal para negar a extradição. A concessão de outro refúgio a Battisti está descartada.

Foi Tarso Genro, então ministro da Justiça, quem deferiu o refúgio requerido pelo extraditando. A classificação de Batistti como refugiado contrariou decisão colegiada do Comitê Nacional para Refugiados (Conare). O Conare entendera que Battisti não preenchia os requisitos da Lei 9.474/97 (Estatuto dos Refugiados) nem do artigo 1º, F, alínea b, da Convenção de Genebra Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 1951 (Decreto 50.215/61), pois as “disposições desta Convenção não serão aplicáveis às pessoas acerca das quais existam razões ponderosas para pensar que cometeram um grave crime de direito comum fora do país que deu guarida, antes de neste serem aceites como refugiados“.

O art. 3º, inciso III, da Lei 9.474/97 é claro ao negar a condição de refugiado aos indivíduos que tenham cometido crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas. Segundo a lei brasileira, Battisti cometeu homicídios qualificados. Tais crimes são hediondos (art. 1º da Lei 8.072/90). Na verdade, independentemente dessa lei de 1990, os delitos pelos quais o extraditando foi condenado são crimes particularmente graves, no sentido do art. 33, §2º da Convenção de 1951. Além disso, sobre ele pesam acusações de envolvimento, nos anos 1970, em atividades terroristas na Itália, na organização Proletários Armados pelo Comunismo.

Estando afastada a possibilidade de concessão de novo refúgio, alternativas se apresentam. Embora não haja informação sobre qualquer debilidade da saúde de Batistti, uma saída seria a utilização de motivos humanitários para mantê-lo no Brasil. Solução desse tipo foi adotada pelo Reino Unido para negar a extradição do ex-ditador chileno Augusto Pinochet para a Espanha. Em 24/mar/2010, em outro caso, ao julgar os embargos de declaração na Extradição 1.146, requerida pela República Francesa, o STF esclareceu que: “[…] cabe ao presidente da República decidir se circunstâncias atinentes à idade ou ao estado de saúde do extraditando consubstanciam óbice à extradição. O preceito tem como destinatário o presidente da República. Ao Supremo Tribunal Federal cabe tão-somente pronunciar-se a respeito da legalidade e da procedência do pleito extradicional. Quem toma a decisão de extraditar, ou não extraditar, é o presidente da República, sempre“. O relator foi o ministro Eros Grau.

Outra opção presidencial é conceder asilo político (territorial) a Cesare Battisti. Diferentemente do refúgio – que é um ato juridicamente vinculado, regulado em lei e em tratado, com requisitos específicos -, a concessão de asilo é uma decisão exclusivamente política do Chefe de Estado, não se sujeitando a controle judiciário.

Todavia, há um elemento complicador para a permanência de Battisti, mesmo na condição de asilado. Brasil e Itália são partes de um Tratado de Extradição (Decreto n. 863, de 1993), cuja aplicação é obrigatória, segundo o critério pacta sunt servanda, previsto no art. 26 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969. Se não houvesse o tratado, a extradição reger-se-ia pelo princípio da reciprocidade, caso em que o presidente teria ampla discricionariedade para decidir. No entanto, há um tratado e, no plano interno, os tratados internacionais (salvo aqueles relacionados a direitos humanos – art. 5º, §3º, da CF) são integrados ao ordenamento jurídico brasileiro como lei federal ordinária.

Se o Brasil descumprir os termos do tratado, a Itália poderá denunciá-lo, isto é, considerar-se-á desobrigada a honrá-lo, o que provocará a extinção do vínculo internacional. Em tal situação, o Brasil não poderia mais apoiar no tratado os seus próprios pedidos de extradição ativa, endereçados a Roma. Poderia haver sérios prejuízos para o futuro da cooperação penal ítalo-brasileira. Criminosos pátrios poderiam viver com certa tranquilidade naquele país, porque, “por reciprocidade”, a Itália daria ao Brasil o mesmo tratamento recebido de nossas autoridades: um não.

Minha opinião

Battisti está preso desde 18 de março de 2007, há mais de três anos. Diante de tanto tempo de prisão extradicional, o presidente não pode tardar na definição de sua entrega ou não. Para embasar a decisão presidencial, a defesa do extraditando fez chegar a suas mãos um memorial com as razões pelas quais Battisti não deveria ser entregue ao Estado requerente. Seus advogados alegam que o extraditando sofrerá perseguição política. Isto como se a Itália, uma democracia europeia com longa estabilidade institucional, fosse uma republiqueta do terceiro mundo. Mesmo assim, a estratégia tem alguma chance de sucesso, porque a perseguição política é um dos motivos de recusa da extradição, conforme o Tratado de Extradição entre Brasil e Itália.

Atente para o fato de que no acórdão de 16 de dezembro de 2009, o STF reconheceu, por maioria, que “a decisão de deferimento da extradição não vincula o presidente da República, nos termos dos votos proferidos pelos Senhores Ministros Carmen Lúcia, Joaquim Barbosa, Carlos Britto, Marco Aurélio e Eros Grau“. Mas a Corte também declarou que “Decretada a extradição pelo Supremo Tribunal Federal, deve o Presidente da República observar os termos do Tratado celebrado com o Estado requerente, quanto à entrega do extraditando”.

E o Tratado Brasil-Itália estabelece que a extradição só pode ser negada se houver “razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos mencionados”. Quais são essas razões ponderáveis? Não as vejo.

Comparação exagerada (www.coletivotrinca.wordpress.com)

No caso de Battisti, a alegação de perseguição parece uma escusa esfarrapada, uma desculpa para não cumprir as penas a que foi condenado pela morte de quatro pessoas: Antonio Santoro, Pierluigi Torregiani, Nilo Sabbadin e Andrea Campagna, entre junho de 1977 e abril de 1979. Não estão em jogo as opções políticas do extraditando ou se ele é um bom ou um mau sujeito. O que importa são os crimes por ele cometidos e suas quatro vítimas. Por isso creio que a extradição se impõe. O tratado deve ser cumprido. O Brasil não pode ser uma colônia (penal) de férias para homicidas internacionais. Já bastam os nossos.

Enfim, Battisti foi condenado em quatro diferentes processos. Tais condenações transitaram em julgado. Este sentenciado não mais se beneficia da presunção de inocência. Assim chegou a hora de dar a Cesare o que é de Cesare: uma passagem aérea com destino a Roma, com direito a estada por conta do governo italiano. Ciao!

2 comentários

  1. CORRIGINDO: (ERRATA)

    – DANDO VIDA A UM NOVO E PIOR VEXAME: O “MINEIRAÇO DE 2014”

    – SÓ FALTA SE CANDIDATAR A CARGO POLITICO…

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  2. PASSARAM-SE QUATRO ANOS…ESTAMOS EM 2014 E QUEREM SABER O QUE ACONTECEU NESTE TEMPO???
    – O BRASIL PROTAGONIZOU O MAIOR FIASCO DE SUA HISTORIA EM COPAS: 7 X 1 ISSO MESMO SETE A UM PARA A ALEMANHA NO MINEIRÃO, SEPULTANDO O “MARACANAZO” DE 50 E DANDO VIDA A UM NO E PIOR VEXAME: O “MINEIRAÇO DE 2014”

    – HA, EU IA ME ESQUECENDO: O CESARE BATTISTI NÃO FOI ESTRADITADO, VIVE FELIZ EM SÃO PAULO E JÁ ESCREVEU ATÉ LIVRO, SÓ FALTA SE CANDIDATAR E CARGO POLITICO…

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