Os 9 bilhões de reais de brasileiros que “desapareceram” na Suíça


Em matéria assinada por Jamil Chade, seu correspondente na Suíça, o Estadão informa que houve redução dos valores depositados em nome de brasileiros em contas bancárias naquele país.

Segundo o jornal, a retirada dos depósitos “coincide com período da Operação Lava Jato, regularização de ativos e com a entrada em vigor de acordos de troca automática de informações fiscais” (aqui).

Os três fatores estruturais e conjunturais citados na matéria de fato impactaram nas operações financeiras antes tranquilas de brasileiros na praça suíça, surgindo evidente movimento reativo contra as “redes de pesca” planetárias lançadas pelos Estados nacionais, na esfera tributária ou na cooperação penal internacional.

Ou seja, a Receita Federal (e os Fiscos em geral), os Ministérios Públicos e as Polícias agora mais atuantes na cooperação internacional administrativa (tributária) e na cooperação internacional em matéria penal, respectivamente, tornaram a praça helvética (mas não só esta) menos segura para a ocultação de valores produto ou proveito de crime e para a manutenção de ativos não declarados ou sonegados.

Arranjos bilaterais ou multilaterais de cooperação fiscal, aduaneira e penal, quando implementados de forma profissional e com autorização para contatos diretos, não intermediados, entre as autoridades brasileiras e as estrangeiras, ampliam as capacidades arrecadatória e probatória dos Estados e também tornam mais eficientes as estratégias de rastreamento internacional e repatriação de ativos.

Um dos melhores exemplos de arranjos multilaterais é o Common Reporting Standard (CRS), a norma para a troca automática de informações em matéria tributária, estabelecido pela OCDE em julho de 2014, e que passou a ser aplicável no Brasil e na Suíça em 2018 e já abrange mais de 100 países.

O regime CRS deriva do art. 6º da Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária, de 1988, patrocinada pela OCDE e pelo COE e promulgada no Brasil pelo Decreto 8.842/2016.

Um quarto fator pode ser apontado como causador do cenário de redução de depósitos brasileiros na Suíça: a decisão política do Estado suíço – e implementada por meio de seu Departamento Federal de Justiça (o MJ local), do seu MPF, o Ministère Public de la Confédération, e do MROS (o equivalente ao COAF) – de combater a lavagem de dinheiro internacional em bancos daquele país.

Organismos internacionais como o UNODC, do sistema ONU, têm promovido a ampliação dos mecanismos de controle e recuperação de ativos. No item 7 da Resolução 7/1, aprovada na 7ª Conferência das Partes da Convenção de Mérida (UNCAC), realizada em Viena em 2017, os países são encorajados a:

7. Further calls upon States parties, in line with articles 12, 14, 40, and 52 of the
Convention, to take appropriate measures consistent with domestic law and
international standards including where appropriate the Financial Action Task Force to promote transparency of legal persons, including by collecting on beneficial ownership, and overcoming undue obstacles that may arise of the application of bank secrecy laws, and preventing the transfer of proceeds crime and identifying suspicious financial transactions through effective due practices;

O item da mesma Resolução 7/1 apresenta outras importantes medidas para o controle dos fluxos de capitais ilícitos:

12. Calls upon States parties to afford one another the widest measure of
cooperation in line with article 51 of the Convention and to make increased efforts to the return or disposal of confiscated property in accordance with article 57 by
taking measures to the greatest extent possible within their domestic legal systems,
to:
(a) Prevent, detect and deter in a more effective manner the international
transfer of proceeds of crime derived from corruption;
(b) Identify, trace, seize, recover and return the proceeds of crime derived
from corruption, including measures to enhance compliance by bank and designated bank financial institutions;

Providências semelhantes podem vir a ser adotadas pelos Estados Partes da Convenção de Mérida, como se percebe dos itens 6 e 7 da Resolução 7/2, também aprovada em 2017 em Viena:

6. Encourages States parties that have not already done so to consider
establishing effective financial disclosure systems for appropriate public officials,
consistent with article 52, paragraph 5, of the Convention, and to consider taking such measures as may be necessary to permit their competent authorities to share that information, consistent with the requirements of domestic law, with other States parties when necessary to investigate, claim and recover proceeds of offences;
7. Also encourages States parties to promote, in accordance with article 12,
subparagraph 2 (c), of the Convention and fundamental principles of their domestic
legal systems, the transparency among private entities, including where appropriate, measures regarding the identity of legal and natural persons involved in the establishment and management of corporate entities;

O cerco global vai-se fechando. Para onde todo esse dinheiro está indo?

Os valores de origem lícita, quando podem ser legalizados, beneficiam-se de programas de repatriação fiscal, como o autorizado pelas Leis 13.254/2016 e 13.428/2017, e ingressam na economia formal. O Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) é assim um dos fatores para a redução de capitais brasileiros no exterior.

Quanto ao dinheiro sujo, tais ativos costumam ser escondidos em nome de companhias offshore em paraísos fiscais e são agora movimentados para praças estrangeiras menos cooperativas, situadas em non compliant countries, e para jurisdições pouco afetas ou aptas à cooperação penal internacional.

Assim, a caça aos tesouros surrupiados de países pobres e de nações em desenvolvimento deverá continuar.

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