contar os mais de 30 Ministérios Públicos que atuam perante os tribunais de contas dos Estados, as cortes de contas dos Municípios e perante o TCU, o Brasil tem exatos 30 Ministérios Públicos com atuação perante o Poder Judiciário.
Façamos as contas: são 26 Estados, cada um com o seu Parquet, e os 4 ramos do Ministério Público da União (MPU), nomeadamente o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), o Ministério Público Militar (MPM) e o Ministério Público do Trabalho (MPT).
O atual arranjo institucional do Ministério Público brasileiro começou a ser aperfeiçoado nos anos 1950. A Lei 1.341, de 30 de janeiro de 1951, organizou o Ministério Público da União, cuja função era “zelar pela observância da Constituição Federal, das leis e atos emanados dos poderes públicos”.
Segundo aquela Lei Orgânica, os órgãos do Ministério Público da União junto à justiça comum, à militar, à eleitoral e a do trabalho eram independentes entre si, no tocante as respectivas funções, formando carreiras distintas.
O Ministério Público do Distrito Federal tinha disciplina própria na Lei 3.434, de 20 de julho de 1958 (Código do Ministério Público do Distrito Federal), e na Lei 3.754, de 14 de abril de 1960 (Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal).
Naquela época, o Procurador Geral da República tomava posse perante o Ministro da Justiça, o Procurador Geral da Justiça do Trabalho perante o Ministro do Trabalho, e o Procurador Geral da Justiça Militar perante o Ministro da Guerra. Embora não existisse Justiça Federal de 1ª Instância – extinta em 1937 e recriada em 1966 – o MPF continuou a funcionar durante todo o século XX, já que era também responsável pela defesa dos interesses da União em juízo, o que só mudou com a criação da Advocacia-Geral da União em 1988.
Se esta era a situação do antigo MPU, os Ministérios Públicos Estaduais só vieram a ter sua Lei Orgânica Nacional com a Lei Complementar 40, de 14 de dezembro de 1981, a primeira a dar à magistratura do Parquet brasileiro suas feições atuais.
Na Constituição de 1969, o Ministério Público aparecia como órgão do Poder Executivo. Seu art. 94 determinava que uma lei organizasse “o Ministério Público da União junto aos juízes e tribunais federais.”
Na expectativa de instalação da Assembleia Nacional Constituinte, o Ministério Público brasileiro começou a se organizar. Relata Hugo Nigro Mazzilli que:
“Ante a necessidade de unir esforços nacionais em busca do objetivo comum, que é o fortalecimento do Ministério Público em benefício da própria comunidade, — todas as Associações integrantes da Confederação Nacional do Ministério Público — CONAMP, e todas as Procuradorias-Gerais de Justiça vinculadas ao Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, dispuseram-se a subscrever uma Moção, na qual se assumiam os seguintes compromissos:
I — Apoiar junto à Assembléia Nacional Constituinte o texto então aprovado;
II — Abster-se de apresentar diretamente emendas ao texto, encaminhando-as à direção da CONAMP e do Conselho;
III — Delegar à direção da CONAMP e do Conselho a adequação do texto às peculiaridades dos trabalhos da Constituinte, desde que obrigatoriamente observados seus princípios.”
Este é o espírito da Carta de Curitiba, aprovada em 21 de junho de 1986, no 1º Encontro Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça e Presidentes de Associações de Ministério Público.
No art. 8º do anteprojeto decorrente daquele histórico evento, propunha-se que o Ministério Público da União fosse formado por quatro ramos: o Ministério Público Federal, que oficiaria perante o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal de Contas da União e os tribunais e juízes federais comuns; o Ministério Público Eleitoral; o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Trabalho.
A Carta de Curitiba foi apresentada à Assembleia Nacional Constituinte (ANC). Porém, em 23 de maio de 1987, o relator da subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério Público, o constituinte Plínio de Arruda Sampaio levantou a questão da modelagem do Ministério Público da União:
O SR. RELATOR (Plínio Arruda Sampaio): – Nobres Constituintes João Natal e Leite Chaves, vou ler os arts. 49 e 50. O art. 49 diz o seguinte:
“[Art. 49.] Os membros do Ministério Público Federal que estiverem em exercício quando da promulgação desta Constituição poderão optar por integrar a carreira jurídica de representação judicial da União, no prazo de sessenta dias a contar daquela data.”
“Art. 50. Os membros dos Ministérios Públicos do Tribunal de Contas da União, do Trabalho e Militar integrar-se-ão no quadro de carreira do Ministério Público Federal, aplicando-se-lhes o disposto no artigo anterior.”
Uma breve explicação sobre a idéia. A concepção é fazer-se um Ministério Público federal, com suas várias especializações, para atuar nas várias justiças, conseqüentemente, integrar todas as pessoas hoje nessas carreiras ao Ministério Público. De modo que minha proposta é de que esta emenda seja incluída nos arts. 49 e 50. Sendo assim, se V. Ex.ª quiser desistir, acho que está contemplada; se não, votaria pela manutenção da redação que demos ao texto.
Mais adiante na discussão naquele dia, o relator insistiu:
Sr. Presidente, a idéia que estamos propondo – e foi um pouco a estruturação geral – é da unificação do Ministério Público da União. Há um Ministério Público com vários segmentos especializados, que atuem nas várias justiças. De modo que, evidentemente, os que estão atualmente na carreira têm de ser aproveitados. Não vamos pôr em disponibilidade centenas de pessoas. A lei encontrará uma maneira de acomodar as situações. É assunto mais de Disposições Transitórias do que propriamente de Constituição. De modo que estamos insistindo na tese do nosso parecer
Várias fórmulas foram discutidas. No projeto B de Constituição, de 5 de julho de 1988, o Ministério Público aparecia no art. 134 e abrangia o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar, o o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas. Seriam cinco os ramos do MPU.
No entanto, ao final da ANC, prevaleceu o modelo de MPU de quatro ramos, que hoje está inserido no art. 128, inciso I, da Constituição, e que foi regulamentado pela Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993.
Trinta anos depois é hora de perguntar: terá sido este o melhor arranjo institucional para o Ministério Público brasileiro?
A proposta inicial de Plínio daria outro formato ao MP nacional. Respeitada a organicidade federativa do Estado brasileiro, ao lado dos Ministérios Públicos dos Estados, teríamos um só Ministério Público “federal”, que abarcaria as atribuições hoje distribuídas entre o MPF, o MPM e o MPT e ainda as competências do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU).
Com a opção pelo MPU dividido em quatro ramos, o MPC/TCU ficou de fora e hoje está previsto no art. 130 da Constituição, com status especial, sendo regulado pelos arts. 80 a 84 da Lei 8.443, de 16 de julho de 1992.
Se tal modelo unificado vingasse, teríamos um MP mais enxuto e quiçá com menos conflitos corporativos, de cunho orçamentário e administrativo no esfera da União.
Em 1988, um importante órgão, também essencial à função jurisdicional do Estado, adotou essa modelagem institucional condensada: a Defensoria Pública da União (DPU).
Na redação original do art. 134, parágrafo único, da Constituição, uma lei complementar organizaria a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreveria normas gerais para sua organização nos Estados.
Com o advento da Lei Complementar 80, de 12 de janeiro de 1994, a Defensoria Pública foi organizada para abranger (art. 2º) a Defensoria Pública da União; a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; e as Defensorias Públicas dos Estados.
Segundo o art. 14 da Lei Orgânica, a Defensoria Pública da União (DPU) atua nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, perante as Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral e Militar. Um só órgão federal tem atribuição para postular em todas as Justiças da União, a comun e as especializadas.
Ao longo de sua evolução institucional, graças às Emendas 45, 74 e 80, as Defensorias Públicas vêm emulando o Ministério Público, especialmente em organização, prerrogativas, deveres e atribuições.
No entanto, a DPU, em particular, não adotou o modelo ramificado do MPU, o que abre espaço para interessantes estudos comparativos, do ponto de vista orçamentário e de avaliação de eficiência e desempenho, entre essas duas instituições republicanas.
Uma DPU dividida em ramos funcionaria melhor? Ou um MPU unificado seria mais eficiente?
