Caso Nardoni: cenas dos próximos capítulos


Encerrou-se na madrugada deste sábado (27/mar) o júri mais comentado do Brasil nos últimos anos. A leitura da sentença foi ouvida por milhões de pessoas em todo o País. Várias emissoras de TV (como Globo, Band, Record e Globo News, por exemplo) transmitiram, ao vivo, o áudio da sessão.

Alexandre Nardoni foi condenado a 31 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão, em regime inicialmente fechado, por crime de homicídio triplamente qualificado, com a majorante da menoridade da vítima e por ser esta sua descendente (art. 121, §2º, incisos III, IV e V, c/c o art. 121, §4º, segunda parte, e com o art. 61, inciso II, alínea ‘e’, do CP). O júri admitiu as qualificadoras do meio cruel (asfixia mecânica e sofrimento intenso), do recurso que dificultou a defesa da vítima (surpresa na esganadura e lançamento pela janela quando inconsciente) e a da ocultação do crime anterior (esganadura e lesões contra a mesma vítima).

Já Anna Carolina Jatobá foi sentenciada a 26 anos  e 8 meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, pelo mesmo crime. A ela não foi aplicada a agravante da relação de descendência.

Os acusados foram condenados ainda a 8 meses de detenção e a 24 dias-multa, pelo crime de fraude processual na forma majorada (art. 347, parágrafo único, do CP), em regime inicial semi-aberto, por terem alterado a cena do crime antes da chegada da Polícia.

Acabou aí? Não. Veja cenas dos próximos capítulos desse terrível caso de violência doméstica, que se tornou uma novela seguida por milhões de brasileiros.

Cumprimento da pena

Conforme o art. 2º, §2º, da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), os réus só terão direito a progressão para o regime semi-aberto, após cumprirem 2/5 da pena total. Não se aplica, para este fim, o limite de 30 anos, previsto no art. 75 do CP. O cálculo é feito sobre a “pena cheia”.

Alexandre Nardoni só poderá ir ao regime semi-aberto depois de cumprir mais de 12 anos de reclusão no regime fechado. Anna Jatobá só poderá progredir ao semi-aberto mais de dez anos depois do início da execução penal.

Como ambos estão presos desde 2008, o tempo já cumprido (cerca de dois anos) deverá ser descontado da pena a cumprir. É o que se chama de detração (art. 42 do CP).

Quanto ao livramento condicional, por se tratar de crime hediondo, os réus deverão cumprir 2/3 (dois terços) da pena global para obterem liberdade (art. 83, inciso V, do CP). Além disso, os réus deverão comprovar “comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto“. Isto significa que o pai somente obterá livramento depois de cumprir pelo menos 20 anos de reclusão. A madrasta deverá cumprir mais de 17 anos até alcançar a livramento condicional.

Qual será a estratégia da defesa?

O advogado Roberto Podval pode interpor apelação criminal (art. 593, inciso III, do CPP), perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, para tentar:

a) anular a sessão do júri, por eventual nulidade posterior à pronúncia (inciso III, alínea ‘a’). Resultado: realização de novo júri, com novos jurados.

b) anular o julgamento por eventual cerceamento de defesa (inciso III, alínea ‘a’). Resultado: novo júri, com novos jurados.

c) reduzir a sanção penal aplicada pelo juiz-presidente aos réus (inciso III, alínea ‘c’). Resultado: o TJ diminuiria a pena a cumprir.

Teoricamente, é possível a apelação pelo mérito (art. 593, inciso III, alínea ‘d’, do CPP). No entanto, dificilmente a defesa terá êxito se pedir novo julgamento alegando que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos. Um recurso desta ordem não tem chance de sucesso. A versão acolhida pelos jurados tem pleno apoio nas provas apresentadas pelo Ministério Público.

Porém, a defesa poderá apresentar protesto por novo júri. Embora essa espécie recursal imprópria tenha sido extinta pela reforma processual de 2008, há setores da doutrina que sustentam a possibilidade de o protesto ser intentado quando o crime ocorreu antes da revogação da norma. Esta é a linha, entre outros, do professor Rômulo de Andrade Moreira (“O fim do protesto por novo júri e a questão do direito intertemporal“).

O homicídio de Isabella Nardoni ocorreu em março de 2008. A nova lei entrou em vigor em agosto daquele ano. Logo, os réus teriam direito de protestar por novo júri porque a pena pelo crime de homicídio foi, para ambos, superior a 20 anos de reclusão. O art. 607 do CPP, revogado pela Lei 11.689/2008, seria aplicado, na espécie, em benefício dos réus, de forma ultra-ativa. Esta solução também tem poucas chances de êxito.

Por fim, a defesa também poderá impetrar habeas corpus para questionar a prisão cautelar dos acusados. Como a decisão do júri ainda pende de recurso, não se pode dar início imediato à execução penal (princípio da presunção de inocência interpretado de forma absoluta). Ao sentenciar, o juiz Fossen negou aos réus o direito de apelar em liberdade, o que seguramente será objeto de irresignação defensiva. Caberá ao TJ/SP e, posteriormente, ao STJ e ao STF, determinar se os Nardoni serão mantidos cauterlamente presos até a decisão final do Judiciário.

Como se vê, esta trágica história ainda não terminou. Ainda haverá “choro e ranger de dentes”, e muita matemática pela frente.

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Leia a sentença do casal Nardoni aqui.

3 comentários

  1. Como sempre, nos brindando com uma brilhante análise do arcabouço teórico-jurídico que norteia esse delito. Obrigada.

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  2. Vlad, achei estranho quando o MM. juiz se referiu a homícidio “triplamente qualificado”. Em verdade, não seria somente o tipo qualificado (singularmente,pois) e a presença de mais de uma hipótese do 121,§2 sendo aferida na dosimetria? Abrs.

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