Existem providências que a lei permite, mas é melhor pensar três vezes antes de requerê-las. Esta cautela é especialmente recomendável no tribunal do júri, foro no qual o julgamento criminal é feito por sete cidadãos comuns e leigos em Direito, que normalmente não estão acostumados a filigranas jurídicas.
No primeiro dia do julgamento do caso Isabella Nardoni, a defesa dos réus, liderada pelo advogado Roberto Podval, fez um gol contra. E de canela. Acompanhe comigo.
A instrução criminal se iniciou com a ouvida de Ana Carolina de Oliveira, mãe de Isabella. Como era previsível, seu depoimento foi carregado de emoção. Um momento traumático para ela, mas essencial ao quadro probatório, na medida em que a mãe chegou rapidamente ao local do crime e ainda encontrou sua filha com vida. Ela é, portanto, testemunha do fato.
Encerrado o depoimento, o advogado Podval pediu ao juiz presidente que a mãe de Isabella fosse retida e mantida incomunicável, até o final do julgamento. Para seu azar, o juiz deferiu o pedido, sob os protestos da promotoria.
Segundo o art. 210 do CPP, as testemunhas não podem ouvir ou conhecer os depoimentos umas das outras. Nas audiências, deve haver um espaço reservado para garantir a incomunicabilidade das testemunhas. O art. 460 do CPP, que regula este tema no procedimento especial do júri, determina expressamente:
“Art. 460. Antes de constituído o Conselho de Sentença, as testemunhas serão recolhidas a lugar onde umas não possam ouvir os depoimentos das outras“.
Na era da informação, tal isolamento pode parecer inútil, na medida em que muitos julgamentos sofrem completo escrutínio da imprensa, tornando públicos os depoimentos das testemunhas em seus detalhes. Num caso como o de Isabella, pouco será dito pelas testemunhas que seja novidade para as demais ou para a sociedade em geral. A incomunicabilidade perde sentido.
O isolamento da mãe da menina Isabella poderá ter um efeito deletério para os advogados que a pediram. Poderá antipatizá-los diante dos jurados. Os juízes populares são homens e mulheres comuns e não costumam tolerar “descortesias”, ainda que baseadas na lei. Pode-lhes parecer que a mãe de Isabella foi retida, tornada incomunicável e mantida sozinha numa sala separada, por insensibilidade, e não por legítima estratégia defensiva. Como eu disse noutro post, no júri os jurados julgam os réus e as vítimas. Julgam também promotores e defensores. Qualquer deslize pode significar a perda de um voto. Um 4×3 liquida tudo.
A providência requerida pela defesa terá uma consequência adicional. Ana Carolina de Oliveira não poderá assistir às inquirições das demais testemunhas. E, a menos que seja liberada pela defesa, também não poderá ouvir o interrogatórios dos réus, acusados de terem matado sua filha. O promotor Cembranelli classificou tal estratégia como “desumana”. Concordo. Não pediria o isolamento nem da mãe do réu.
Para que serve a retenção da testemunha em plenário?
Quando as partes inquirem testemunhas em plenário, podem requerer que os depoentes permaneçam incomunicáveis até o final da instrução criminal. Normalmente, o Ministério Público e a defesa se valem desse permissivo em duas situações:
a) para reinquirir a testemunha mais adiante, consoante o art. 476, § 4o , do CPP: “A acusação poderá replicar e a defesa treplicar, sendo admitida a reinquirição de testemunha já ouvida em plenário“; ou
b) para realizar acareação entre testemunhas, entre acusados, ou entre testemunhas e acusados, conforme o art. 473, §3º, do CPP: “As partes e os jurados poderão requerer acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimento dos peritos, bem como a leitura de peças que se refiram, exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis”.
Duvido que a defesa queira reinquirir a mãe de Isabella. Isto reavivaria nos jurados a comoção inicial e deixaria ainda mais à mostra a profunda ferida que marcará eternamente a vida dessa mulher. No entanto, como o defensor abriu a guarda e criou a oportunidade, o Ministério Público poderá requerer a reinquirição. Ana Carolina de Oliveira prestaria novo depoimento ao final da instrução, como contraponto ao interrrogatório dos réus, que são ouvidos por último.

Se a defesa não quer reinquirir Ana Carolina de Oliveira, sobra-lhe a estratégia da acareação. A ideia seria pôr frente-a-frente a mãe e o pai de Isabella. Acho que isso seria outro gol contra da defesa. As acareações não costumam ser muito produtivas. É raro que se consiga algo útil nesse tipo de confronto. Normalmente, os acareados aferram-se a suas posições e não arredam pé. E há sempre um elemento psicológico imponderável. O réu A.N. deve estar muito bem preparado e seguro para sair ileso de uma acareação com Ana Carolina de Oliveira. Pode-se prever que seria um desastre para a defesa. Não é nada fácil enfrentar uma mãe ferida. Não se joga com isso, principalmente se o “adversário” for a mãe da vítima no plenário do júri. É a minha opinião.
Brilhantemente esclarecedor, como de costume, Vlad.
Parece que a defesa já entrou em campo metendo os pés pelas mãos.
CurtirCurtir