IA e rondas virtuais


Por meio da Resolução 710, de 26 de julho de 2024, o Ministério da Segurança da Argentina criou a Unidade de Inteligência Artificial Aplicada à Segurança (UIAAS), integrada à Direção de Ciberdelito e Assuntos Cibernéticos.

A criação dessa unidade responde à necessidade de modernizar a atuação estatal na luta contra o crime, especialmente em ambientes cibernéticos, aproveitando os avanços tecnológicos proporcionados pela Inteligência Artificial (IA).

Ao fazê-lo, a Argentina se alinha a países como Estados Unidos, China e Reino Unido, que já utilizam IA em suas operações de segurança pública, conforme padrões globais de cibersegurança.

A Unidade de IA argentina terá competência para prevenir, detectar, investigar crimes e seus autores, empregando IA para aumentar a precisão e a eficiência das forças de segurança federais. Suas competências abrangem diversas áreas, como o patrulhamento de redes sociais, a Internet aberta e a Dark Web, o reconhecimento facial em imagens e vídeos para identificar atividades suspeitas e pessoas procuradas, a previsão de crimes por meio da análise de dados históricos, e a detecção de ameaças cibernéticas em redes informáticas, incluindo a identificação do uso de malwares e a realização de phishing. Ferramentas de IA também serão utilizadas pela Unidade para identificar operações financeiras suspeitas.

Além disso, a unidade empregará drones e robôs para patrulhamento aéreo e realização de tarefas perigosas, como a desativação de explosivos.

A unidade tem como objetivo fortalecer a capacidade do Estado argentino em responder a crimes complexos e ameaças emergentes como o ransomware, melhorando a comunicação entre as diferentes agências de segurança e garantindo que as informações críticas sejam compartilhadas rapidamente.

Do ponto de vista do direito internacional, a criação da UIAAS poderá ser útil para l enfrentamento do crime organizado, facilitando a troca de informações e a coordenação em investigações cibernéticas transnacionais.

A Resolução 710/2024 também estabelece salvaguardas para garantir os direitos humanos, assegurando que todas as ações da UIAAS sejam conduzidas em conformidade com a Constituição Nacional e a legislação vigente, respeitando direitos fundamentais como a privacidade e a liberdade de expressão. Essas medidas seguem as orientações da Resolução 428/2024, que define diretrizes para a atuação preventiva em crimes cibernéticos, buscando equilibrar o uso de tecnologias invasivas com a preservação das garantias democráticas e mitigando riscos de abuso, inclusive quanto à proteção de dados pessoais. Vale lembrar que a Argentina é parte da Convenção 108 do Conselho da Europa.

Rondas virtuais se tornaram importantes nos últimos anos para o enfrentamento da pedopornografia on-line, especialmente para enfrentar a distribuição de material relativo ao abuso sexual de crianças e adolescentes ou Child Sexual Abuse Material (CSAM).

As delegacias especializadas em crimes cibernéticos utilizam ferramentas de monitoramento de redes Peer-to-Peer (P2P), onde é possível identificar, por meio de dados públicos, arquivos digitais previamente marcados como sendo CSAM.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região já validou essa conduta policial no Brasil, que ocorre em ambientes virtuais abertos, sem violação de expectativa de privacidade:

1. A Convenção sobre os Direitos da Criança, promulgada pelo Decreto 99.710/90, estipula a obrigação assumida pelo Brasil no plano internacional no sentido de adotar medidas eficazes para identificar e notificar às autoridades competentes os casos de abusos cometidos contra crianças. Nesse contexto, a “ronda virtual” tem o respaldo jurídico da referida convenção internacional, constituindo ferramenta eficaz de investigação criminal, alinhada ao compromisso do Estado brasileiro perante os demais países.

2. A “ronda virtual” feita pelos policiais recai sobre os arquivos pedófilos que circulam ilegalmente pela internet. A identificação desses conteúdos espúrios é feita pelo respectivo código hash, de forma impessoal, o que afasta a hipótese de violação da intimidade.

3. A pornografia infantojuvenil consiste na representação, por quaisquer meios, de criança ou adolescente, em atividade sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou qualquer representação das partes sexuais de criança ou adolescente para propósitos sexuais (Protocolo Facultativo da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, art. 2º, alínea c). Por violarem gravemente os direitos humanos e fundamentais da criança e do adolescente, tais condutas tornam imperativa a atuação repressiva do Estado, que tem o dever de investigar, processar e – eventualmente – punir os agentes que propagam a pornografia infantojuvenil nos ambientes virtuais.

(TRF4, 7ª Turma, ACr 5011869-62.2020.4.04.7100, rel. Des. Fed. Salise Monteiro Sanchotene, j. 01/02/2022)

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com sede em São Paulo, também já validou esse procedimento, que pode ser potencializado com o emprego de ferramentas de IA:

2. A ronda virtual constitui forma legítima de atuação policial quando efetuada de modo sistemático e impessoal com objetivo certo de monitorar o compartilhamento de arquivos de pornografia infantil nas redes virtuais abertas ao público e não se assemelha à infiltração virtual policial prevista na Lei 13.441, de 08/05/2017.

3. A ferramenta de monitoramento de redes P2P (peer-to-peer) não realiza um monitoramento amplo e irrestrito de todos os usuários da rede P2P, mas apenas dos arquivos que trafegam nessa rede sob uma determinada hash, que funciona como uma impressão digital eletrônica ou DNA de um arquivo e prescinde de prévia autorização judicial, já que não monitora usuários, mas apenas arquivos.

4. A constatação prévia de IP é impessoal e identificada a partir do monitoramento de conteúdo de circulação proibida. Somente após verificado que um IP de uma determinada conexão de internet realizou buscas e downloads de arquivos com a hash de pedofilia é que a autoridade policial tentará identificar o usuário do IP, valendo-se das medidas cautelares cabíveis para a relativização do sigilo dos dados.

(TRF3, 5ª Turma, HC 5010696-19.2022.4.03.0000, rel. Des. Fed. Mauricio Kato, j. 29/11/2022)

Tecnologias como esta vem sendo usadas no Brasil desde ao menos 2015, graças à cooperação internacional entre a Polícia Federal e agências de law enforcement norte-americanas como a HSI/ICE e o INL, especialmente por meio do Sistema de Proteção Infantil (Child Protection System), software usado “para auxiliar na identificação de pessoas e grupos que trocam conteúdo de pornografia infantil online”.

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