
O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) decidiu que os presidentes de bancos centrais dos Estados Membros da União não gozam de imunidade quando cometem crimes não relacionados às suas funções europeia.
A decisão do TJUE foi adotada numa questão prejudicial sobre esforços de órgãos de persecução criminal da Letônia para processar um ex-dirigente de seu banco central acusado de corrupção. Trata-se do processo C-3/20, LR Ģenerāl prokuratūra.
A apuração iniciou-se em 2018, pelo Korupcijas novēršanas un apkarošanas birojs (Serviço de Prevenção e Luta Contra a Corrupção), após a intervenção do acusado na fiscalização realizada pela Finanšu un kapitāla tirgus komisija (Comissão dos Mercados Financeiros e de Capitais).
O caso chegou ao Tribunal de Justiça da União Europeia em reenvio prejudicial apresentado por um tribunal em Riga, capital da Letônia, a pedido da defesa do réu. Em junho de 2018, o Ministério Público letão acusou um diretor do banco central da Letônia de crimes de corrupção. O dirigente foi acusado pelo MP local de ter aceitado propina relacionada a um procedimento de supervisão de due diligence a respeito de um banco letão e de ter supostamente lavado o dinheiro proveniente desse suborno.
30. O terceiro elemento de acusação que lhe foi imputado diz respeito ao branqueamento de capitais destinado a dissimular a origem, as transferências e a propriedade dos fundos pagos a AB e correspondentes ao suborno objeto do segundo elemento de acusação. Este suborno foi investido na aquisição de um imóvel por uma sociedade fictícia utilizando fundos fornecidos por um intermediário.
No reenvio, o juízo de primeira instância de Riga indagou ao TJUE sobre a questão de saber se, devido à sua qualidade de membro do Conselho do Banco Central Europeu (BCE), o réu teria imunidade de jurisdição com base no art. 11.a do Protocolo 7 sobre privilégios e imunidades da União Europeia. Este protocolo confere aos funcionários e outros agentes da União Europeia imunidade de jurisdição no que diz respeito a todos os atos por eles praticados na sua qualidade oficial, isto é, uma proteção ratione muneris, em razão da função.
Segundo o art. 11, alínea “a”, do Protocolo, “No território de cada Estado-Membro e independentemente da sua nacionalidade, os funcionários e outros agentes da União gozam de imunidade de jurisdição no que diz respeito aos atos por eles praticados na sua qualidade oficial, incluindo as suas palavras e escritos, sem prejuízo da aplicação das disposições dos Tratados relativas, por um lado, às normas sobre a responsabilidade dos funcionários e agentes perante a União e, por outro, à competência do Tribunal de Justiça da União Europeia para decidir sobre os litígios entre a União e os seus funcionários e outros agentes. Continuarão a beneficiar desta imunidade após a cessação das suas funções.”
Inicialmente, o TJUE decidiu que o referido protocolo aplica-se a dirigentes dos bancos centrais dos países da UE, uma vez que todos integram ipso facto o conselho geral do Banco Central Europeu (BCE), instituição supranacional. O privilégio estende-se também a ex-dirigentes desse ente.
Para o TJUE, conforme o artigo 17 do Protocolo, a imunidade de jurisdição é concedida exclusivamente no interesse da União, cabendo a cada instituição da UE afastar essa imunidade sempre que considere que tal levantamento não é contrário aos interesses da União.
PROTOCOLO 7
Artigo 17.
(ex-artigo 18)
Os privilégios, imunidades e facilidades são concedidos aos funcionários e outros agentes da União exclusivamente no interesse desta.
Cada instituição da União deve levantar a imunidade concedida a um funcionário ou outro agente, sempre que considere que tal levantamento não é contrário aos interesses da União.
Por conseguinte, diz o TJUE, nos atos de ofício, cabe apenas ao BCE decidir se afasta ou não a imunidade de jurisdição de um dirigente de banco central para que possa responder a uma ação penal na jurisdição nacional. Para esse posicioanmento, a instituição deve levar em conta se o levantamento da imunidade poderia contrariar aos interesses da União. Se não há ofensa aos interesses da UE, como regra, o levantamento da imunidade deve ser concedido, permitindo a atuação penal das autoridades locais.
Nos demais casos em que não há vínculo da conduta do dirigente com sua atividade na instituição europeia, cabe à autoridade nacional de persecução criminal proceder normalmente, na investigação e no julgamento. Esta segunda hipótese é a que ocorre em casos de fraude, corrupção ou lavagem de dinheiro praticados por um dirigente de um banco central de um Estado-Membro. Obviamente, tais comportamentos não são condutas ratione muneris e, se presentes indícios de sua prática, não se exige o procedimento prévio de levantamento da imunidade.
77 À luz das considerações precedentes, há que responder à quarta questão prejudicial que o artigo 11.°, alínea a), do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, lido em conjugação com os artigos 17.° e 22.° do mesmo protocolo, deve ser interpretado no sentido de que a autoridade nacional responsável pelo processo penal, a saber, segundo a fase do processo, a autoridade encarregada do exercício da ação penal ou o órgão jurisdicional penal competente, é competente para apreciar em primeiro lugar se a eventual infração cometida pelo governador de um banco central nacional, na qualidade de membro de um órgão do BCE, resulta de um ato praticado por esse governador no exercício das suas funções nesse órgão, mas é obrigada, em caso de dúvida, a solicitar o parecer do BCE, de acordo com o princípio da cooperação leal, e a respeitar esse parecer. Em contrapartida, cabe exclusivamente ao BCE apreciar, quando lhe é submetido um pedido de levantamento da imunidade desse governador, se esse levantamento de imunidade é contrário aos interesses da União, sob reserva da eventual fiscalização dessa apreciação pelo Tribunal de Justiça.
Porém, o Tribunal de Justiça da UE ressaltou que, “embora a imunidade de jurisdição não se aplique quando o beneficiário dessa imunidade é posto em causa num processo penal por atos que não foram praticados no âmbito das funções que exerce por conta de uma instituição da União, procedimentos abusivos nacionais por atos que não estão abrangidos por esta imunidade para exercer pressão sobre o agente da União em causa são, em qualquer caso, contrários ao princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.°, n.° 3, terceiro parágrafo, TUE.”
Com a decisão, o TJUE garante autonomia aos órgãos locais de persecução e de Justiça criminal para proceder em casos de crimes não funcionais no contexto da União. Por outro lado, evita-se que órgãos nacionais violem prerrogativas de funcionários da UE ou os assediem em juízo.
Este mundo está impestado de ladrões e assassinos!!!
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