Agora não cola mais!


Enfim, acabou o “direito de colar”. Muita gente que fraudava concursos públicos, seleções públicas, exames vestibulares e o exame nacional do ensino médio ficava impune porque os tribunais superiores consideravam atípica a conduta de “pescar” em tais provas, ainda que mediante equipamentos eletrônicos. Não admitiam o artigo 171 do CP (estelionato), tampouco permitiam o uso do art. 299 do CP (falsidade ideológica). Veja os motivos aqui (Cola eletrônica: pesque-pague imoral).

Mesmo assim, o Ministério Público podia adotar outras estratégias processuais contra esses esquemas fraudulentos, como esta semana fez o MPF em Goiás, numa série de 18 ações penais que propôs contra 101 pessoas que fraudaram o exame da OAB em 2006 e 2007. Tais denúncias, de autoria do procurador Hélio Telho, resultaram da chamada “Operação Passando a Limpo.

Com a entrada em vigor da Lei 12.550/2011 no dia 16 de dezembro de 2011, data de sua publicação no Diário Oficial da União, temos um novo crime contra a fé pública. O legislador ali inclui o novo art. 311-A do CP, que tipifica o crime de fraudes em certames de interesse público. 

Será punido com reclusão de 1 a 4 anos, e multa, quem utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de:
I – concurso público;
II – avaliação ou exame públicos;
III – processo seletivo para ingresso no ensino superior; ou
IV – exame ou processo seletivo previstos em lei:

Aquele que permitir ou facilitar, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas a essas informações sigilosas incorrerá na mesma pena, que foi estipulada numa escala adequada e proporcional.

Porém, há uma forma qualificada desse delito, que ocorrerá sempre que, da ação ou omissão, resultar dano à administração pública. Por exemplo, na hipótese em que a fraude provoca a anulação do certame, tornando necessária a repetição do exame. Neste caso, a pena será de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

A lei cria também uma causa especial de aumento de pena, de um terço, aplicável quando o agente for funcionário público, nos termos do art. 327 do CP.

Além disso, entre as penas de interdição temporária de direitos do artigo 47 do CP, um novo inciso V permitirá ao juiz criminal proibir o réu de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos, o que é um reprimenda adequada a quem se envolver num esquema desses.

O procedimento para a apuração judicial desses crimes é o comum ordinário, e a ação penal é pública incondicionada. Na forma simples, não cabe prisão preventiva em regra, e será possível a propositura de suspensão condicional do processo pelo Ministério Público. Em caso de condenação, é possível, acertadamente, a substituição da pena privativa de liberdade, por restritiva de direitos.

Quem “pescar”, leva zero na prova, e o número 311-A no boletim (de ocorrência). Os alvos da lei são os esquemas de cola eletrônica, montados por quadrilhas especializadas em devassar o sigilo das provas, para fraudar vestibulares e concursos, mediante remuneração. Protege-se o sigilo e a lisura dos exames, a igualdade de condições entre os candidatos, e preserva-se o mérito individual no acesso cargo ou vaga. Ao fim, protege-se a própria Administração, pois nela só deve ser admitido quem tiver real aproveitamento no concurso público.

Contudo, é lamentável que o legislador não tenha incluído expressamente esse novo delito como crime antecedente para fins de lavagem de dinheiro, já que a Lei 9.613/98, em vigor, conta com um rol (mais ou menos) fechado. O proveito obtido pelas quadrilhas especializadas em cola eletrônica é estratosférico. A depender do certame, cada vaga é vendida aos candidatos por até 15 mil reais. Todos esses ativos ilícitos estão sujeitos a ocultação ou dissimulação (“lavagem”). A falta desse novo crime na lista de lavagem de dinheiro impede resposta penal completa, salvo se admitirmos a hipótese de incorporação dessa e de outras condutas, por meio do inciso VII do art. 1˚ da Lei 9.613/98 (crime “praticado por organização criminosa”), tese que é objeto do HC 96.007/SP, no STF, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio.

Curiosamente, o crime de fraude em concursos públicos (art. 311-A do CP) foi tipificado no diploma que criou a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (!). Mais um caso de contrabando legislativo. Mesmo assim, a lei vale, e a tese da atipicidade dessa conduta foi para a UTI. Os habeas corpus que a invocam vão cessar, mas, em função da irretroatividade da lei penal mais grave, ainda beneficiarão os pacientes anteriores à sua vigência. Porém, daqui em diante, não cola mais.

8 comentários

  1. Caro Prof. Dr. Vladimir,

    Nunca deixo de ler seus posts neste blog (e, quando possível, no Twitter). Como sempre, excelentes!

    Gostaria só de tecer alguns comentários, pois havia feito no dia 20 de dezembro uma análise sobre esta nova lei pelo Facebook e, talvez, tenha encontrado uma “brecha”. Gostaria de saber se o Dr. concorda comigo.

    Concordo plenamente que a conduta daquele que “cola” está tipificada. Só que há aí uma grande diferença: o autor do fato deve ter ciência prévia do conteúdo sigiloso (o teor da prova ou do gabarito, etc.) e dele se utilizar ou se beneficiar. Em outras palavras, não se trata da criminalização daquele que “cola” sem saber antecipadamente do conteúdo da avaliação.

    Exemplo simples que, na minha opinião, diferencia bem as situações: “A” se utiliza de ponto eletrônico para questionar terceiros qual a resposta seria a correta em determinada questão. Está cometendo o crime definido neste artigo? Não, pois não tem conhecimento do conteúdo sigiloso que o beneficiaria. Todavia, se “A” já teve acesso a prova e se utiliza desse conhecimento para conseguir se beneficiar no certame, aí então estará cometendo o crime definido no novel artigo 311-A do Código Penal.

    Outro problema que vislumbro: no caso do indivíduo estar utilizando o ponto eletrônico, por exemplo, mas consultando terceiro no período em que os candidatos não podem sair com o caderno de prova, esta ainda mantem o seu caráter sigiloso? Se sim, a conduta está criminalizada. Caso contrário, o fato é atípico.

    Mais um problema: nos concursos em que o candidato só pode sair do local de prova após decorridas “X” horas? Existiria nesse caso o caráter sigiloso do certame, tendo em vista que somente os candidatos e a banca examinadora tem conhecimento do conteúdo da prova naquele restrito espaço de tempo?

    Um grande abraço e, novamente, parabéns pelo blog!

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  2. Professor, permita-me tirar mais uma dúvida. A artigo 47, inciso V só vai estar relacionado ao tipo penal do art. 311-A ?

    Obrigado

    (Site do planalto já carimbou o código penal digitando errado o número da lei, colocaram 11.250)

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    • Creio que não. Basta haver adequação dessa nova reprimenda alternativa ao crime objeto da condenação, para que ela seja aplicada.

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  3. Bom dia Dr. Vlad,

    Gostei bastante dessa nova legislação a respeito de uma punição concreta dos aproveitadores da intelectualidade alheia ou dos que gostam de levar vantagem em tudo.
    Muitas vezes não entendia mesmo porque alguns que nenhum conteúdo tinham chegavam sempre na frente, agora sei por que: É a certeza da impunidade que na verdade move os moinhos das mentes doentias que em nada pensam a não ser no seu bem estar. Não perdem noites estudando, não abdicam de festas, estão sempre nas baladas e chegam na frente. Vamos ver se agora a coisa muda e no tocante a exames da OAB por exemplo não tenhamos que contar com profissionais que pouco mais que os clientes sabem ou muitas vezes bem menos.
    Na verdade, não sou a favor do exame da OAB, no meu entendimento quando conclui-se o curso deveria o bacharel estar apto a exercer suas funções, afinal é para isso que serve a graduação, porém, se existem, tais examesd evem ser respeitados, pois, todos devem ter os mesmos direitos e deveres e m qualquer circunstâncias.

    Abçs.

    Jorge Silva seu amigo e futuro estudante de direito

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  4. Olá professor, caiu bem na hora o seu comentário. Estava refletindo sobre a lei e as condutas da cola eletrônica. Finalmente teremos um punição penal para essa conduta. Já achava que poderia no âmbito cívil na lei 8429, Art. 11, V. Minha dúvida fica ainda como separar esse artigo 311-A do Art 325? Obrigado.

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