Saidinha pela tangente


Imitando outras cidades brasileiras, Salvador aprovou a Lei 7.850/2010 que proíbe o uso de celulares, “radioamadores” (sic) e similares no interior de agências bancárias e nas salas de autoatendimento.

O objetivo é “impedir” as saidinhas bancárias, modalidade de roubo (art. 157 do CP) na qual um ladrão dentro do banco observa um cliente que sacou dinheiro ou que fez câmbio e avisa a seu comparsa que está fora da agência, para que o persiga e o assalte.

Pelo menos há um alento. Se tentar usar esses “perigosos” aparelhos de comunicação, o cliente bancário não sofrerá pena. A punição será para o banco que deixar! A instituição financeira pagará multa de até 51 mil reais, a ser aplicada pela Secretaria Municipal de Serviços Públicos. A Febraban deve ter adorado a novidade.

Essa ideia…aham…genial foi do vereador Alcindo da Anunciação. O prefeito João Henrique, que costumava se preocupar com os consumidores soteropolitanos, perdeu uma grande oportunidade de vetar essa bobagem legislativa. Agora é coautor com todas as honras.

Podem crer: essa lei não vai funcionar! O que impede o assaltante de sair do banco e ligar para o seu cúmplice da porta da agência? O que o proibirá de apontar com gestos o alvo escolhido? A mímica está proibida? O que impedirá o olheiro de, ele mesmo, seguir a vítima para roubá-la mais adiante, na primeira esquina? Esses delinquentes vão se adaptar facilmente a essa novidade. Não são tolinhos.

"Celular-arma" apreendido com a máfia napolitana em 2008. O meu é de outra marca.

Também gostaria de saber quem é que usa aparelho de radioamador dentro de um banco. A lei proíbe isso! É algo para entrar na série “Grandes Ideias da Humanidade contra o Crime”. O curioso é que o bloqueio de celulares só existia em penitenciárias, feito por meios tecnológicos. Este agora é na mão grande. Querem “bafar” o seu celular. Espero que outras cidades não repitam o equívoco salvadorense. Essa praga começou no Estado de São Paulo, em Franca, Jandira, Nova Odessa, Louveira, Ourinhos, São José do Rio Preto, São Roque, São Vicente e Taubaté, depois se espalhou para Divinópolis (MG), Piçarras (SC), Canguçu (RS), Curitiba (PR), Manaus (AM) e agora Salvador (BA).

Não dá para fazer uma saidinha pela tangente num assunto sério como este. O problema não é o celular, mas a arma de fogo na mão do bandido. O problema é o bandido solto. O problema é a falta de policiamento nas ruas para prender o bandido. O problema é a ineficiência da Justiça Criminal, que não condena o bandido e ele volta a atuar no “mercado financeiro”.

Além do mais, essa lei é inconstitucional pois interfere desproporcionalmente na vida privada e suprime do cidadão o direito de uso de um bem que lhe pertence numa situação rotineira. Algumas questões práticas exigirão respostas da Prefeitura. Os celulares ficarão retidos num escaninho da banco? Se não for assim, o fiscal da agência ficará “curiando” o que o cliente está fazendo com o seu celular? E a privacidade fica onde? E os bancários por acaso poderão usar seus celulares? E se o cliente esquecer o número da conta de depósito, como falará com o credor? E se o cliente precisar ser localizado devido a uma emergência no trabalho ou em família? E se o celular for um instrumento de trabalho, de um entregador ou de um despachante, por exemplo, o sujeito vai perder clientes? E o cara que anota a senha no próprio celular como vai lembrar dela? O “modo avião” é permitido?

Considerando que hoje um celular não é só um celular, um punhado de outras dúvidas me afligem. Chamada de voz está terminantemente proibida, mas mensagem SMS pode? Navegar na internet em smartphones pode? Usar o Twitter pode? Editar o blog pelo iPhone pode? Ouvir mp3 no Nokia pode? Mandar email pelo Blackberry pode? Ver TV no Samsung pode? E tirar fotos com a câmera integrada? E participar de chat pelo Facebook?

Mas minha maior dúvida é esta: sem poder usar o celular para nada disso, o que é que eu vou fazer para matar o tempo na fila do banco, hein?!

– Oxe, menino! -, diria minha avó. Quem é que ainda vai ao banco? Basta acessar o Internet banking pelo celular!

3 comentários

  1. Ilmº Sr. Vladimir Aras!
    E com grata satisfação, que leio vosso artigo a respeito de temática tão instigante, que diz respeito as violações de direitos, que foram conquistados as duras penas por todos os Cidadões Brasileiros, estes mesmos direitos encontra seguridade, na Carta Magda, sendo por conta de leis editadas ao arrepio da Constituição, e de forma tão arbitraria, destituídos destes mesmos direitos.
    Se faz necessário para tanto, que outros Doutos Mestres, como o Sr., levantem a bandeira da Moralidade, da Ética e da fidelidade, aos direitos constituídos. Não aceitando que de forma ATÉCNICA, que se elabore leis que retirem do Cidadão os direitos conquistados em detrimento de interesses privados ou não???
    Caríssimo Mestre! Estou com este tema, na elaboração do meu projeto Acadêmico, gostaria de na medida do possível, contar com vossa estima para nortear este projeto, e poder concluí-lo qui sá até TCC.
    Atenciosamente,
    Carlos Roberto
    Acadêmico de Direito

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  2. Prof. Vladimir,

    O Correio da Bahia recentemente noticiou a prática de mais um roubo em campus da UFBA.

    Interessante foi a recusa da autoridade policial em registrar a comunicação do fato em virtude de ter ocorrido em “área federal”. O entendimento tem respaldo jurídico?

    Segue o link e trechos da reportagem:

    http://www.correio24horas.com.br/noticias/detalhes/detalhes-1/artigo/estudante-da-ufba-tem-notebook-roubado-em-assalto-a-mao-armada-dentro-do-campus/

    “Estudante da Ufba tem notebook roubado em assalto à mão armada dentro do campus.
    Aluno não conseguiu prestar queixa na 14ª delegacia”

    “Aconselhado pelo Coronel Soares, chefe de segurança da Ufba, e pelo coordenador da Facom, professor Giovandro Ferreira, Darlan tentou prestar queixa na 14ª Delegacia, mas o delegado titular, Nilton Tormes, disse que não poderia registrar o furto porque aconteceu em área federal – “Vocês estão a ver navios”, teria dito o delegado. Ele foi aconselhado a procurar a Polícia Federal, o que fará nesta quinta-feira. Caso não consiga prestar queixa, Darlan pretende processar a Ufba.”

    “Segundo o advogado Domingos Arjones, o delegado poderia ter registrado a queixa, por se tratar de um crime contra o indivíduo, e não patrimonial, mas não está errado por não tê-lo feito. “Por se tratar de uma área federal, há um deslocamento da competência”, diz, considerando que a investigação deveria ser conduzida pela Polícia Federal. “Em tese, nenhum dos dois estão errados”.

    Abraço!

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    • Não tem fundamento algum! O crime não é de competência federal por ter ocorrido no interior da Ufba. Basta ver o art. 109 da Constituição de 1988. O bem furtado é particular, e não da universidade. Não houve nenhum prejuízo a bem, serviço ou interesse da instituição. Logo, cabe à Polícia Civil investigar. A ação penal é do Ministério Público estadual e a competência é de um dos juízos criminais da comarca de Salvador.

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