A história de Ryan Yuri


O Ministério Público de Minas Gerais contou oficialmente esta semana a trágica história de Ryan Yuri. Sua mãe teria sido morta por seu suposto pai. Não foi querido. E logo que nasceu teria sido sequestrado.

A denúncia (aqui), que tem 12 páginas e lista 17 testemunhas, foi apresentada à Vara do Júri de Contagem. Nove pessoas foram denunciadas. Eis as imputações, ainda sujeitas a confirmação judicial:

a) homicídio triplamente qualificado (art. 121, §2º, incisos I, III e IV, do CP), pelo motivo torpe, pelo meio (asfixia) e pelo uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima. As penas desse crime classificado como hediondo vão de 12 a 30 anos de reclusão.

b) sequestro e cárcere privado na forma qualificada, porque o suposto crime foi praticado contra menor de 18 anos (art. 148, §1º, IV, do CP). A pena vai de 2 a 5 anos de reclusão.

c) ocultação de cadáver (art. 211 do CP). A pena é de 1 a 3 anos de reclusão e multa.

d) corrupção de menor majorada para a prática de crime hediondo (art. 244-B, §2º, do ECA), com pena de reclusão de 1 ano e 4 meses a 5 anos e 4 meses.

Formalizada a imputação e recebida a denúncia, agora começa o devido processo legal, com contraditório e ampla defesa. Os acusados terão dez dias para responder à acusação. Depois, serão ouvidas as testemunhas do Ministério Público e as indicadas pelos réus. Só então estes serão interrogados. Ao final desta etapa, que deve estar concluída em 90 dias segundo o CPP, o juiz decidirá se os acusados serão julgados pelo tribunal do júri.

De forma prudente, os promotores de Justiça Gustavo Fantini de Castro, Luciano França da Silveira Junior e André Luís Garcia de Pinho não inseriram na denúncia o relato sobre a suposta utilização de cães para a destruição do cadáver da vítima. Todavia, é possível o aditamento da acusação, se novas provas foram colhidas.

No seu relato, a Promotoria adotou o critério cronológico. No ponto mais relevante da peça acusatória, o MP narrou o evento final, a morte de Eliza Samudio, que teria ocorrido no dia 10 de junho de 2010, na cidade de Vespasiano/MG:

Dentro da casa, MARCOS APARECIDO “BOLA”, contando com a ajuda de “MACARRÃO”, asfixiou ELIZA até a morte. Pelas costas de ELIZA, “BOLA” passou seu braço pelo pescoço da vítima, em um golpe conhecido como “gravata”, e constringiu-lhe o pescoço, esganando-a. “MACARRÃO”, para auxiliar no covarde extermínio de ELIZA, ainda desferiu chutes nas pernas da vítima indefesa. Posteriormente, “BOLA” escondeu o corpo de Eliza em local desconhecido até a presente data. A ocultação do cadáver fazia parte do acordo dos denunciados com “BOLA”. Todos os denunciados estavam seguros de que o cadáver de Eliza jamais seria encontrado.
 Sobre a criança que foi colhida por essa tragédia, o Ministério Público disse: 
A partir de então, o pequeno B. S. ficou sob os cuidados de DAYANNE. Enquanto em cativeiro, o bebê passou a ser chamado pelos denunciados pelo nome de “Ryan Yuri”. Essa conduta tinha por objetivo descaracterizar a real identidade do infante, de modo a que o bebê jamais pudesse vir a ser associado a ELIZA.
Essa é a triste história de Ryan Yuri, um bebê que nunca existiu. Seu verdadeiro nome é B. S. e, mais do que de sua liberdade – que lhe teria sido tirada em junho de 2010 – ele foi privado de uma família. Onde está a mãe de “Ryan Yuri”?

4 comentários

  1. Professor, sou estagiário do Ministério Público Estadual já há quase 02 anos, e posso dizer que as denúncias que fazemos por aqui não tem nada a ver com essa. Sem comprovação alguma, sem citar os documentos que a embasam (p. ex – Cfr. Termo de Declaração de f. X).
    Se eu fosse o advogado de defesa estaria dando hurras, uma vez que parece-me absolutamente inepta.
    Aliás, porque não dividir em fatos e nao em dias?
    Nao consigo entender. Se o Judiciário mineiro for criterioso, esta denúncia será rejeitada. Temo pela repercussão disso

    Um abraço
    Seu blog é muito bom!

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    • Ouso dizer-lhe que você está aprendendo errado em seu estágio. A denúncia, ao contrário das iniciais civis, não deve ter qualquer referência a depoimentos, doutrina ou jurisprudência em seu corpo. Deve tão apenas narrar de forma sintética (desde que descrevendo as circunstâncias essenciais exigidas pelo art. 41 e pela doutrina: quid, quis, ubi, etc) os fatos delituosos imputados ao réu, de forma a permitir-lhe exercer a ampla defesa.
      Aliás, em se tratando de processos a serem julgados pelo Tribunal do Júri, quanto mais sucinta, melhor, já que tudo nela contido, na falta de argumento melhor, será usado para desqualificar a acusação.
      Denúncia cheia de citações, referências e remissões é típica de Promotores recém chegados da seara cível. Verifique qualquer manual com modelos de denúncias, tendo por autor bons promotores de Justiça: concissão é a palavra.

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      • Discordo.
        Se faz isso para embasar. Por exemplo

        ANDRE DE TAL, livre e consciente da ilicitude de sua conduta, com ânimo de assenhoreamento definitivo, subtraiu para si, mediante grave ameaça contra a vítima Romário Hernandes Simão da Silva, exercida mediante emprego de arma de fogo (NAO APREENDIDA).

        O MP no caso nao usa o parênteses, nem coloca em nota de rodapé por exemp,lo que o adolescente, NO TERMO DE DECLARAÇÃO DE F. Tal, disse isso. A Corregedoria do MP PR instrui assim. Se vc quiser discordar deles, aí é questão de opinião.
        Aliás, a minah é que é uma das piores denúncias que eu já vi.

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  2. Vlad,

    Em que pese o esforço do MP mineiro para elaborar uma peça processual complexa como a denúncia, estou convicto de que, após ler a inicial do caso, verifico que pelo menos no que se refere ao delito de ocultação de cadáver (CArneDAdaaosVERmes) há inépcia.

    Pelo clássico magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, usando ensinamentos de antigo professor da vetusta FADUSP e ex-Magistrado do STF (João Mendes de Almeida Jr.) verifica-se que a denúncia ou queixa:

    “É uma exposição narrativa e demonstrativa. Narrativa, porque deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias, isto é, não só a ação transitiva, como a pessoa que a praticou (‘quis’), os meios que empregou (‘quibus auxiliis’), o malefício que
    produziu (‘quid’), os motivos que o determinaram a isso (‘cur’), a maneira por que a praticou (‘quomodo’), o lugar onde a praticou (‘ubi’), o tempo (‘quando’). Demonstrativa, porque deve descrever o corpo de delito, dar as razões de convicção ou
    presunção e nomear as testemunhas e informantes.” (grifei)

    “(…) – O processo penal de tipo acusatório repele, por ofensivas à garantia da plenitude de defesa, quaisquer imputações que se mostrem indeterminadas, vagas, contraditórias, omissas ou ambíguas. Existe, na perspectiva dos princípios constitucionais
    que regem o processo penal, um nexo de indiscutível vinculação entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta e o direito individual de que dispõe o acusado à ampla defesa.
    A imputação penal omissa ou deficiente, além de constituir transgressão ao dever jurídico que se impõe ao Estado, qualifica-se como causa de nulidade processual absoluta.”
    (RTJ 165/877-878, Rel. Min. CELSO DE MELLO) (HC 99459 MC / SP Rel. Min Celso de Mello)

    Por mais que o art. 41 do CPP seja vergonhosamente vago, assim deve ser interpretado, e neste contexto, falta à narrativa da ocultação de cadáver o “quibus auxiliis”, “quomodo”, “Ubi” e “quando”.

    Ou será que não Vlad?

    Abraço, e parabéns pelos textos. A preocupação com o menor Ryan Yuri deve pautar este debate. Uma tragédia.

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