Operação Zapata: narcotráfico e lavagem


Foi publicado no D.J.E. de ontem (17/maio) um importante acórdão do Superior Tribunal de Justiça. Foi relator o ministro Félix Fischer, da 5ª Turma. A decisão é de 27/abr e tem efeito em duas ações penais (2006.70.00.020042-0 e 2006.70.00.02675-2) propostas pelo Ministério Público Federal no Paraná contra supostos integrantes do Cartel de Juárez, do México. As denúncias foram subscritas pelos procuradores da República Orlando Martello, Deltan Martinazzo Dallagnol e Elena Urbanavicius.
  
Essas ações penais, que são resultado da Operação Zapata deflagrada em 2006, tiveram curso perante a 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, aos cuidados do juiz Sérgio Fernando Moro. Os acusados foram condenados no Brasil por lavagem de dinheiro oriundo de narcotráfico internacional e recorreram ao TRF da 4ª Região, que manteve a condenação com redução de pena. Tanto o MPF quanto os réus interpuseram recursos especiais.
  
No RESP n. 1.133.944/PR, o STJ manteve a condenação do Senhor X e da Senhora Y pelo crime de lavagem de dinheiro (artigo 1º, incisos I e VII, da Lei 9.613/98), tendo entendido que bastam indícios da ocorrência do crime antecedente:
Para a configuração do crime de lavagem de dinheiro, não é necessária a prova cabal do crime antecedente, mas a demonstração de ‘indícios suficientes da existência do crime antecedente’, conforme o teor do §1º do art. 2º da Lei 9.613/98. (Precedentes do STF e desta Corte)”
Leia aqui o voto do ministro Félix Fischer. Dele se extrai o seguinte trecho:
Desta forma, com base nas informações constantes no v. acórdão atacado, há que se considerar que os crimes de lavagem discutidos nestes autos foram praticados todos em ligação com a organização criminosa denominada Cartel de Juárez. Ambos os crimes foram praticados com o fim de ocultação de produtos de crimes praticados pela mencionada organização. Ressalto, primeiramente, que para a configuração do crime de lavagem de dinheiro, não é necessário processamento e julgamento dos crimes antecedentes, a teor do art. 2º, II, da Lei 9613/98: Artigo 2º. O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei: (…). II – independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes referidos no artigo anterior, ainda que praticados em outro país”.
Concluiu o ministro relator haver nos autos provas de que os recorrentes integravam o poderoso cartel mexicano “sendo que esta organização criminosa se dedicava intensamente à prática de tráfico internacional de drogas“. Ainda segundo o relator, os bens imóveis lavados pelos acusados “seriam produto destes crimes praticados pelo Cartel de Juarez” e que haveria “suficiente demonstração da ocorrência do crime antecedente“.
 
A orientação do STJ segue a teoria da acessoriedade limitada, segundo a qual não é necessário provar cabalmente a prática do crime antecedente para a configuração do delito de lavagem de dinheiro, do mesmo modo que não é necessário condenar o autor do furto ou do roubo para sancionar o autor da receptação.
 
Os precedentes mencionados no acórdão da 5ª Turma do STJ são os seguintes: 
  • STF, HC 89.739, rel. min. Cezar Peluso, DJe-152 de 15.08.2008.
  • STF, HC 94958/SP, 2ª T., rel. min. Joaquim Barbosa, DJU 05/02/09. 
  • STJ, HC 103097/SP, 6ª Turma, rel. min. Jane Silva, DJU de 24/11/08
  •  STJ, HC 65041/CE, 6ª Turma, rel. min. Paulo Galotti

Na verdade, todos se referem às condições para o recebimento da denúncia pelo crime de lavagem de dinheiro. Portanto, a primeira decisão do STJ sobre a suficiência de indícios do crime antecedente para a condenação por lavagem de ativos é o Resp 1.133.944/PR.

O que é o Cartel de Juárez

Trata-se de uma das organizações criminosas mais violentas do continente americano. Suas atividades espraiam-se por vários Estados mexicanos, desde a Ciudad Juárez, capital de Chihuahua. Atravessando o rio Grande, do outro lado da fronteira, está El Paso, no Texas, onde o governo norte-americano mantém, não por acaso, o El Paso Inteligence Center (EPIC), um dos maiores centros de inteligência para o combate ao crime organizado do mundo.

Fonte: Wikipedia. Autor: Diego Fernández
Fonte: Wikipedia. Autor: Diego Fernández

O México vem enfrentando há muito tempo um violento narcoconflito.  Estão em atividade no país sete grandes cartéis da droga – o do Golfo, los Zetas, Beltrán Leyva, Sinaloa, La Familia, Juárez e Tijuana.  Milhares de pessoas foram assassinadas nos últimos anos em função da guerra das drogas nos Estados dominados pelos carteis.

O poder do cartel de Juárez, cujo atual líder é Vicente Carrillo Fuentes, é tão grande que até um governador mexicano foi cooptado pelo esquema. Mario Ernesto Villanueva Madrid, que governou o Estado de Quintana Roo de 1994 a 1999, foi condenado no México por corrupção. No último dia 10/mai, o ex-governador foi extraditado para os Estados Unidos onde será julgado por crimes federais. 

Segundo a denúncia (indictment), Villanueva Madrid teria posto à disposição do cartel de Juárez parte da estrutura do Estado de Quintana Roo (onde está situada a cidade de Cancún), a fim de garantir que droga oriunda da Colômbia por via marítima pudesse ser livremente transportada pelo território estadual, com destino aos Estados Unidos.

Graças a esse esquema, o cartel de Juárez teria conseguido exportar para os Estados Unidos mais de 200 toneladas de cocaína, o que teria rendido milhões de dólares em propinas para Villanueva Madrid. Parte desse dinheiro (cerca de US$ 19 milhões) teria sido lavado em contas abertas em nome de offshores no banco Lehman Brothers em Nova Iorque.

Um caso de cooperação internacional como o que resultou na entrega do ex-governador mexicano não seria possível no Brasil. O artigo 5º, LI, da Constituição de 1988 proíbe a extradição de brasileiros natos:

“LI – nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”.

Fica uma lição: comprovada a presença de traficantes do cartel de Juárez em Curitiba, vemos que em matéria de crime organizado transnacional o Brasil não fica longe do México. Fazemos fronteira.

10 comentários

  1. Um dos réus está em liberdade e reside em Curitiba.
    Ele contratou o advogado criminalista gaúcho, Dr. Luiz Felipe Mallmann de Magalhães (www.luizfelipemagalhaes.com.br) , que fez recurso junto ao TRF e o colocou em liberdade.

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  2. Vlad, todos os precedentes apontados (STF e STJ) se referem à denúncia , não são legitimam a condenação. Abrs.

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  3. Caso contrário, qual seria a solução se após a condenação por lavagem se provasse a inexistência da materialidade ou da tipicidade?

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    • Revisão criminal (art. 621, II ou III, do CPP) com pedido de indenização pelo erro judiciário. Ou mesmo HC com fins revisionais.

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      • Vlad, mas essas hipóteses de revisão são para, ainda que erroneamente, o juiz tenha se dado por convencido da materialidade. Ao se condenar a lavagem, sem prova da materialidade do antecedente, não há nem que se falar em erro, pois não se teve conviccção da ocorrência do antecedente. Abrs

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  4. Vlad, o art.2,§1 preconiza a possibilidade do recebimento da *denúncia* pela lavagem de capitais com base em indícios da existência do crime antecedente. Porém, se no curso da instrução for provado a inexistência de materialidade ou falta de tipicidade, como ficaria o julgamento da lavagem? Nucci inclusive sustenta que não poderia haver julgamento da lavagem até prova da materialidade ou tipicidade do crime antecedente. Não que seja o caso do post, mas como proceder nesse caso? Não há discussão da possibilidade do julgamento da lavagem em caso de isenção de pena do autor do antecedente ou desconhecimento da autoria, mas me parece que a materialidade e tipicidade são imprescindíveis. Gostaria de sua opinião. Abrs.

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    • O juiz do crime de lavagem é também o juiz do crime antecedente, este aqui entendido como elemento da descrição típica da lavagem. Ele deverá buscar nos próprios
      autos a prova (mesmo indiciária) da materialidade do delito precedente. Sr houver, será possível condenar por lavagem. Se ficar razoavelmente demonstrada a materialidade do “crime produtor”, o juiz deverá absolver o autor da lavagem de dinheiro, no mínimo por falta de provas.

      Mutatis mutandi, deve-se aplicar o mesmo raciocínio que se emprega para a receptação.

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      • Vlad, no caso da receptação entendo que é irrelevante a discussão da autoria ou culpabilidade do autor do antecendente, não da materialidade ou tipicidade. Creio que a solução mais adequada, caso não haja suspensão da lavagem para se provar a materialidade ou tipicidade do antecendente, seria absolver a lavagem por falta de provas como você sustentou. Abrs

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