Se você está procurando o instituto do “erga copos”, esqueça. Com essa vitória mixuruca da seleção brasileira sobre a poderosa Coreia do Norte, será difícil achar motivos para celebrar. E será complicado erguer copos e a taça Fifa. Por isto, aqui o assunto é outro.
Nos Estados Unidos e no Reino Unido, as audiências e julgamentos colegiados são marcados por uma solenidade para eles essencial. Logo na instalação das sessões, o meirinho ordena: “all rise”! Todos os presentes se levantam, e só então o magistrado entra no recinto. Você já viu isso em filmes e em seriados. Não é novidade.
No Brasil, há uma regra semelhante, mas raramente cumprida. Está no art. 793 do CPP:
“Nas audiências e nas sessões, os advogados, as partes, os escrivães e os espectadores poderão estar sentados. Todos, porém, se levantarão quando se dirigirem aos juízes ou quando estes se levantarem para qualquer ato do processo.”
Por sua vez, o art. 472 do CPP manda que o juiz presidente do júri, o conselho de sentença e todos os presentes fiquem de pé enquanto o togado exorta os jurados a decidir a causa com imparcialidade e de acordo com suas consciências e os ditames da justiça. Também no júri, encerrado o julgamento em plenário, é praxe que o juiz e todos os presentes se levantem, para a leitura da sentença, mesmo que o art. 493 do CPP nada diga sobre tal formalidade. Em ambos os casos, por lei ou costume forense, o juiz também se levanta.
Diferentemente do que ocorre nos países de common law, no Brasil os advogados podem requerer sentados, perante os juízes singulares, conforme o parágrafo único do art. 793 do CPP. Nos tribunais, a praxe é fazê-lo de pé, na tribuna, na forma prevista nos regimentos internos.
O art. 7º, inciso VII, da Lei 8.906/94 diz que é direito do advogado “permanecer sentado ou em pé“, em quaisquer dos recintos judiciais, independentemente de licença. É também direito do advogado: “falar, sentado ou em pé, em juízo, tribunal ou órgão de deliberação coletiva da Administração Pública ou do Poder Legislativo” (inciso XII, do mesmo artigo). Minúcias formais que em nada melhoram a vida do jurisdicionado.
As leis orgânicas do Ministério Público não têm regra semelhante. Na França, o órgão é conhecido como “magistratura de pé” (magistrature debout). Seus membros dirigiam-se de pé aos juízes (para os franceses, a magistrature du siège). E o faziam sobre um parquet. No Brasil, promotores e procuradores, componentes do Parquet, só requerem de pé nas sessões do júri. Mesmo nos tribunais, os agentes do MP nunca usam a tribuna, o que é uma pena. Pronunciam-se sentados, estando sempre à direita do presidente do colegiado.
Curiosa é a origem do instituto do “erga corpus”, que em português significa “senta-levanta”. Pode ter surgido no direito canônico, mas suponho que venha da própria liturgia católica. Em momentos cruciais (sic) da homilia, só conhecidos por crentes ferverosos e por simpáticas beatas, todos na igreja têm de levantar. Não sou católico. Quando vou a cerimônias dessa religião, procuro copiar o senta-levanta das senhorinhas que sempre ficam na primeira fila da congregação. Graças a elas, nunca erro.

Seja nas suas origens, seja atualmente, o ritual solene das audiências judiciais tem mesmo a ver com a religião. Em jan/2010, a juíza distrital de Luton, na Inglaterra, Carolyn Mellanby, usou prudência para contornar um dogma religioso islâmico. Sete muçulmanos foram acusados de interromper uma parada militar em março de 2009. Soldados ingleses, veteranos do Iraque, desfilavam pelas ruas da cidade quando foram assediados pelos manifestantes. Submetidos a julgamento, os sete islamitas ortodoxos recusaram-se a levantar-se na audiência, como exige o ritual forense. Alegaram que o islamismo só os obriga a levantar-se diante de Alá. Não sei existe esta regra no Corão, mas foi o que disseram.
Se não atendessem ao “all rise”, os acusados cometeriam desacato ao tribunal (contempt of court). Salomonicamente, a juíza Mellanby ordenou que os réus só fossem trazidos à sala de julgamento depois que ela ingressasse na audiência. Tolerância e sabedoria acompanham bem qualquer decisão judicial. Foi o que ocorreu ali. A juíza Mellanby pôs o all rise e o Alla Akbar (Deus é Maior) em perfeita sintonia.
E assim manteve-se intacta, nas cortes do Reino, a vetusta tradição do erga corpus… Amen!
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