Cinco anos atrás, intensos protestos populares em todo o Brasil levaram o governo e o Congresso Nacional a adotar uma agenda positiva para aplacar o ânimo da população.
Naquela época, os manifestantes tinham uma série de reivindicações por melhorias nisto ou naquilo. A luta contra a corrupção era uma delas.
Em 25 de junho de 2013, numa votação histórica, a Câmara dos Deputados derrubou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37 por 409 votos a 9.
Apelidada de PEC da Impunidade, a PEC 37 visava a impedir o Ministério Público brasileiro de realizar investigações criminais. Em todo o País, desde o início dos anos 1970, promotores de Justiça e procuradores da República vinham somando esforços com a Polícia para investigar crimes graves, sobretudo delitos de colarinho branco, corrupção, lavagem de dinheiro e violações de direitos humanos.
Ao lado da aprovação da Lei do Crime Organizado e da Lei Anticorrupção Empresarial, sancionadas pela então presidente Dilma Rousseff em agosto de 2013, a rejeição da PEC 37 em junho daquele ano foi fundamental para que membros do Ministério Público estadual e do MP federal continuassem a investigar crimes Brasil afora.
Um dos melhores exemplos é o caso Lava Jato. A investigação iniciada em 2013 pela Polícia Federal foi potencializada a partir de março de 2014 pela atuação independente do MPF, na busca de provas no Brasil e no exterior, o que levou à descoberta de um impressionante esquema de corrupção transnacional envolvendo autoridades brasileiras e de vários países da América Latina e dois da África e empresas multinacionais.
Se a PEC 37 tivesse sido aprovada em junho de 2013, o caso Lava Jato poderia ser diferente, bem menor, com menos revelações e menos dinheiro recuperado para os cofres públicos. O Brasil saberia menos sobre os grandes cartéis políticos e empresariais que rapinavam os dinheiros da Nação há anos.
Dada a reação popular, a PEC 37, uma tentativa de manietar promotores e procuradores não prevaleceu.
Agora, porém, está nas mãos do presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia decidir um pedido inusitado: se autoriza ou não a instalação da CPI da Lava Jato, cujo foco é devassar supostos ajustes espúrios relacionados a acordos de colaboração premiada.
Como todos sabem, esta é uma das ferramentas processuais mais importantes usadas no caso Lava Jato, tendo sido fundamental não para o raio X, mas para a ultrassonografia da corrupção engastada há anos nas entranhas do País.
Não se tem notícia de inércia ou de ineficiência do Poder Judiciário no controle das colaborações premiadas. Todos os acordos se sujeitam a exame pelos juízes federais, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, sempre sob o crivo do contraditório, que permite às defesas questionarem pontos obscuros ou ilegalidades.
Desde o início do caso Lava Jato, o STF tem ajustado o conteúdo de acordos de colaboração premiada, havendo rejeitado a homologação de um deles no final de 2017 (PET 7265, rel. Ricardo Lewandowski) e recusado validade exclusiva a depoimentos de colaboradores, quando não suficientemente corroborados, na visão da Corte. Foi o que se deu na AP 996/DF (rel. Edson Fachin), proposta contra Nelson Meurer, condenado com exclusão de certas imputações, e na AP 1003/DF (rel. Edson Fachin), proposta contra a senadora Gleisi Hoffmann e o ex-ministro Paulo Bernardo, ambos absolvidos, apesar da colaboração premiada existente em relação a eles.
Em 26/junho, a 2ª Turma do STF concedeu ordem de HC 158.319/SP para trancar ação penal que tramitava perante o Tribunal de Justiça de São Paulo contra o deputado estadual Fernando Capez. O STF entendeu não haver justa causa mínima para a ação penal proposta pelo MPSP, porque a denúncia estaria apoiada apenas no depoimento de um colaborador.
Na véspera, o MPF em Brasilia protocolou denúncia contra o ex-procurador da República Marcello Miller, pela suposta prática de corrupção na negociação dos acordos de colaboração premiada e de leniência no caso JBS, fatos que envolveram a empresa e o escritório Trench Rossi Watanabe.
As corregedorias do MP e do Judiciário também desempenham importante papel de controle no sistema, para identificar vícios nos procedimentos colaborativos, de forma preferencial em relação ao CNJ e ao CNMP, que também podem apurar eventuais desvios de conduta de juízes e membros do MP, caso haja omissão dos órgãos internos de controle disciplinar.
Na linha preventiva, a Câmara Criminal e a Câmara Anticorrupção do MPF divulgaram a Orientação Conjunta 01/2018, que norteia os procuradores da República na negociação e formalização de acordos de colaboração premiada.
Diante de tantos mecanismos de controles dentro do próprio sistema judicial, a que se destina uma CPI da Lava Jato?
Os investigadores da Polícia e os membros do Ministério Público passarão à condição de suspeitos?
Uma CPI com este alvo serve a que propósito?