Rumo à Europa


104b5f45-33c8-4dc6-9faf-2f9a2446d099O marco normativo para a cooperação internacional em matéria penal tem-se fortalecido nas últimas quatro décadas em todo o mundo, como resultado da política criminal global de harmonização do direito penal para a persecução de crimes graves, a aproximação dos procedimentos de produção probatória transnacional e a instituição de ferramentas para recuperação e repatriação de ativos.

O Brasil tem sofrido o impacto da criminalidade global e hoje é parte de importantes tratados internacionais em matéria penal, que facilitam a cooperação entre Estados, notadamente a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Viena, 1988), a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo, de 2000) e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Mérida, 2003). No âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA) merece menção a Convenção Interamericana sobre Assistência Mútua em Matéria Penal (Nassau, 1992).

O mais recente desses tratados multilaterais de assistência em assuntos criminais é a Convenção de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLPP) (Praia, 2005), que passou a viger internamente para o Brasil com o Decreto 8.833/2016.

Paralelamente ao movimento multilateral, o Itamaraty e o Ministério da Justiça têm ampliado o conjunto de acordos bilaterais para facilitar a assistência jurídica penal. Entre 1993 e 2016 foram promulgados 19 tratados bilaterais deste tipo, conhecidos como Mutual Legal Assistance Treaties (MLAT):

  • Canadá (Decreto n. 6.747/2009)
  • China (Decreto n. 6.282/2007)
  • Colômbia (Decreto n. 3.895/2001)
  • Coreia do Sul (Decreto n. 5.721/2006)
  • Cuba (Decreto n. 6.462/2008)
  • Espanha (Decreto n. 6.681/2008)
  • Estados Unidos da América (Decreto n. 3.810/2001)
  • França (Decreto n. 3.324/1999)
  • Honduras (Decreto n. 8.046/2013)
  • Itália (Decreto n. 862/1993)
  • México (Decreto 7.595/2011)
  • Nigéria (Decreto 7.582/2011)
  • Panamá (Decreto 7.596/2011)
  • Peru (Decreto 3.988/2001)
  • Portugal (Decreto n. 1.320/1994)
  • Reino Unido (Decreto n. 8.047/2013)
  • Suíça (Decreto n. 6.974/2009)
  • Suriname (Decreto n. 6.832/2009)
  • Ucrânia (Decreto n. 5.984/2006)

Parece muito mas é muito pouco. As Nações Unidas têm 193 Estados-membros e, em 195 anos como nação independente, o Brasil só tem vínculos diretos bilaterais, para produção probatória em matéria penal, com 19 deles, o que corresponde a menos de 10% do total de nações. No campo extradicional, esta realidade não é diferente. Temos tratados bilaterais com apenas 27 países. Obviamente, o princípio da reciprocidade minora o quadro deficiente que divisamos.

A complexidade das relações internacionais é cada vez maior. Nos planos econômico, social e político, a sociedade brasileira se relaciona intensamente com a comunidade internacional. Condutas ilícitas sujeitas à jurisdição brasileira na forma do artigo 7º do CP podem ocorrer em qualquer país ou em zonas extraterritoriais. Provas de crimes submetidos ao Poder Judiciário do Brasil podem estar em qualquer rincão do planeta. Por isto, creio que chegou a hora de essa política de bilateralização da cooperação penal internacional ser revista. Podemos e devemos adotar uma abordagem diferente para a formação da base jurídica necessária à cooperação penal internacional e com isto acelerar a formação de base normativa mais completa para a assistência jurídica, de modo a assegurar a efetividade da persecução penal onde quer quer a prova ou os ativos estejam.

De que modo isso seria feito?

Muitos tratados europeus permitem a adesão de Estados terceiros, não integrantes da organização que os patrocinou. São convenções estáveis e abrangentes, que regulam as mais diversas e modernas formas de cooperação internacional no campo penal.

O Conselho da Europa (CoE) é a mais antiga organização pan-europeia. Fundada em 1949, tem 47 membros, incluindo os 28 que formam a União Europeia. Sua sede está em Estrasburgo, onde também funciona a Corte Europeia de Direitos Humanos, que é uma instituição vinculada ao CoE, responsável pela aplicação da Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950 e seus vários protocolos. Somente o Cazaquistão, a Bielorrússia e o Vaticano não fazem parte do CoE.

Examinar a lista de tratados do CoE em matéria de extradição, transferência de condenados, assistência jurídica mútua em matéria penal e proteção de dados pessoais permite perceber o potencial de expansão dos vínculos convencionais do Brasil, caso ingresse nesses regimes jurídicos. Todos admitem adesão por Estados não membros do Conselho da Europa.

Eis o status de ratificações e adesões em 17 de julho de 2016 das convenções mais importantes em matéria penal e de cooperação internacional no Conselho da Europa:

TRATADO DO COE TEMA DATA DE CONCLUSÃO VIGÊNCIA ESTADOS PARTES ESTADOS NÃO EUROPEUS
ETS 024 Extradição 1957 1960 50 África do Sul, Coreia do Sul e Israel
ETS 030 Mutual Legal Assistance (MLA) 1959 1962 50 Chile, Coreia do Sul e Israel
ETS 086 Extradição

(1º protocolo)

1975 1979 40 África do Sul e Coreia do Sul
ETS 098 Extradição

(2º protocolo)

1978 1983 42 África do Sul e Coreia do Sul
ETS 099 MLA (1º protocolo) 1978 1982 43 Chile e

Coreia do Sul

ETS 108 Proteção de dados pessoais 1981 1985 49 Ilhas Maurício e Uruguai
ETS 112 Transferência de condenados 1983 1985 65 Austrália, Bahamas, Bolívia, Canadá, Chile, Coreia do Sul, Costa Rica, Equador, Estados Unidos, Honduras, Ilhas Maurício, Israel, Japão, México, Mongólia, Panamá, Tonga, Trinidad e Tobago, Venezuela
ETS 167 Transferência de condenados (1º Protocolo) 1997 2000 37 Ainda nenhum
ETS 181 Proteção de dados pessoais (1º Protocolo) 2001 2004 38 Ilhas Mauricio e Uruguai
ETS 182 MLA (2º protocolo) 2001 2004 36 Chile e Israel
ETS 185 Cibercriminalidade 2001 2004 49 Austrália, Canadá, Estados Unidos, Ilhas Maurício, Israel, Japão, Panamá, República Dominicana e Sri Lanka.
ETS 189 Cibercriminalidade (protocolo) 2003 2006 24 Ainda nenhum
CETS 209 Extradição

(3º Protocolo

2010 2012 15 Ainda nenhum
CETS 212 Extradição

(4º Protocolo)

2012 2014 10 Ainda nenhum

Tome-se como exemplo a Convenção Europeia sobre Transferência de Condenados (ETS 112). Atualmente, o Brasil tem apenas 12 tratados bilaterais nesta matéria com os seguintes países:

  • Argentina (Decreto 3.875/2001)
  • Angola (Decreto 8.316/2014)
  • Bolívia (Decreto 6.128/2007)
  • Canadá (Decreto n. 2.547/1998)
  • Chile (Decreto n. 3.002/1999)
  • Espanha (Decreto n. 2.576/1998)
  • Japão (Decreto n. 8.718/2016)
  • Panamá (Decreto n. 8.050/2013)
  • Paraguai (Decreto n. 4.443/2002)
  • Peru (Decreto 5.931/2006)
  • Países Baixos (Decreto 7.906/2013)
  • Portugal (Decreto 5.767/2006)
  • Reino Unido (Decreto n. 4.107/2002).

A adesão do Brasil ao ETS 112 – tal como fizeram 19 países não europeus – representaria a formação de vínculos jurídicos com outros 65 Estados soberanos, sendo que com 56 deles o Brasil ainda não mantém acordos bilaterais de transferência de condenados.

Diversos tratados da Organização de Estados Americanos (OEA) também admitem adesão por terceiros Estados. A OEA, criada em Bogotá em 1948, hoje tem 35 Estados Membros. Vejamos o status das convenções pertinentes com foco na presença de Estados membros não americanos:

TRATADO DA OEA TEMA DATA DE CONCLUSÃO VIGÊNCIA ESTADOS PARTES ESTADOS NÃO AMERICANOS
B-58 Corrupção Caracas, 1996 1997 33 Nenhum
A-55 MLA Nassau, 1992 1996 28 Cazaquistão
A-59 MLA

(1º Protocolo)

Manágua, 1993 2002 7 Nenhum
B-47 Extradição Caracas, 1981 1992 6 Nenhum
B-36 Rogatórias Panamá, 1975 1976 18 Nenhum
B-46 Rogatórias

(1º Protocolo)

Montevidéu, 1979 1989 15 Nenhum
A-57 Transferência de condenados Manágua, 1993 1996 21 Arábia Saudita, Cazaquistão, Eslováquia, Índia e República Tcheca

O tratado interamericano para transferência de condenados tem 21 Estados Partes, sendo que 5 deles são países não localizados nas Américas.

A comparação dos regimes interamericano e europeu para a transferência de condenados permite concluir que as duas convenções pertinentes, firmadas em 1983 e em 1993, deixaram de ser regionais e assumiram feição global, pois passaram a congregar nações de três ou quatro continentes, respectivamente.

Negociar tratados bilaterais, um a um, tarda muito, numa escala de tempo medida em anos, e consome recursos públicos. Enquanto isto, o vácuo jurídico pode favorecer a impunidade em crimes graves, dificultar a recuperação de ativos e travar o exercício de direitos fundamentais de acusados, condenados e vítimas.

Diante da necessidade de facilitar a circulação transnacional de decisões judiciais e a persecução criminal para além de nossas fronteiras, chegou a hora de o Brasil estimular a adesão de outros países a tratados interamericanos e de, por sua vez, aderir às mais importantes convenções europeias de cooperação jurídica internacional em matéria penal. Cabe ao Itamaraty decidir.

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