A fumaça do bom direito


Um colega me contou uma história meio anuviada. Numa ação penal por tráfico internacional de drogas (art. 33 da Lei 11.343/2006), o juiz federal declinou de sua competência para julgá-la com o argumento de que não havia prova da aquisição da droga no exterior. Em regra, tais crimes são de competência da Justiça Federal quando há prova da transnacionalidade, à luz do artigo 109, V, da Constituição, combinado com a Convenção de Viena de 1988. 
É simples: se não há indícios mínimos de que a droga veio do exterior ou de que vai para fora do País, o tráfico é de competência estadual. Caso contrário, é da Justiça da União.
Estranhamente, o réu – ele mesmo – recorreu dessa decisão judicial. No recurso em sentido estrito que interpôs (art. 581, II do CPP), o acusado pretende manter o caso na Justiça Federal. E por que isto é estranho? Porque nos crimes de tráfico internacional de entorpecentes (isto é, naqueles julgados pela Justiça Federal) sempre incide uma causa especial de aumento de pena, prevista no art. 40, inciso I da Lei 11.343/2006, que a eleva entre 1/6 e 2/3. Lembre que a pena do narcotráfico vai de 5 a 15 anos de reclusão. No grau máximo de aumento, a pena mínima desse sujeito poderia passar dos 8 anos de prisão.
A intenção do acusado de não ser julgado pela Justiça Estadual é firme. Seu advogado juntou aos autos uma declaração assinada de que o réu adquiriu a droga no Paraguai. Assim, tenta garantir seu julgamento pela Justiça Federal.
Parto do pressuposto de que o defensor sabe o que está fazendo. Por que alguém, sem estar sob efeito de entorpecentes, correria o risco de ser condenado com uma causa de aumento de pena? O réu tem interesse recursal? A questão se resume a um debate sobre o juiz natural? O réu está indefeso? Cadê a droga? Se alguém a usou, não fui eu.

4 comentários

  1. Concordo com a dedução do comentarista Nicolas Marshall. Mas discordo da valoração que fez da Justiça Estadual em detrimento da correta aplicação do Direito por parte dos Juízes Federais. Não é possível tolerar-se que existam verdadeiras “Câmaras de Gás” nos Tribunais Estaduais que passem por cima das construções jurisprudenciais dos Tribunais Superiores simplesmente ao pálido argumento de que são ciosos da “gravidade que é o tráfico de drogas”… assim é que o STF e o STJ já definiram que ao réu acusado de crime de tráfico de drogas, seja transnacional ou não, deve ser concedida liberdade provisória caso não estejam presentes os pressupostos da prisão preventiva (dentre eles não há nada que fale da gravidade do delito), bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Acho absurdo processos nos Tribunais Estaduais em que o réu sentenciado por roubo ou mesmo tentativa de roubo, que recebe uma pena inferior a 8 anos e que é primário, seja submetido ao regime fechado de cumprimento de pena simplesmente ao argumento de que o crime de roubo é “grave”, em afronta às súmulas dos tribunais superiores. O Juiz não pode aplicar a pena acima do mínimo legal à míngua de fundamentação, para a qual, repito, não basta a canhestra suposta “gravidade do delito”…

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  2. Amigo Vlad,

    É uma pena que existem tantas coisas que nunca, em nenhum momento nós cidadãos comuns entenderemos.

    Abçs…

    Jorge Silva

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  3. Prezado Vlad, a resposta é simples…o réu já sabe da benevolência dos Juízes Federais pois além de, em certos casos considerarem a pequena quantidade ( já foi decidido em caso concreto que 9 kg de cocaína é de pequena quantidade), ao sentenciar o réu, substituem a pena privativa de liberdade em duas restritivas de direito. Esse réu não é bobo nem nada e não está sob efeito da droga apreendida consigo, muito pelo contrário, é bastante esperto e já deve saber da jurisprudência da vara em que se encontra seu processo. Em casos análogos os juízes de varas de tóxicos, mais conscientes da gravidade que é o tráfico de drogas e das mazelas geradas por esta conduta, aplicam severas penas e não refrescam com estes traficantes que são tratados na justiça federal com a benevolência daqueles juízes típicos de gabinete e submissos às decisões da Suprema Corte.
    Penso que seja isso!

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  4. Seria a intenção de tumultar? Ao menos exigiria do juiz (ou seu assessor) uma nova vista do processo para ver se cabe retratação. A impressão que eu tenho é de que, no âmbito criminal, os advogados andam recorrendo de tudo, certo ou errado.

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