De novo, não!


O juiz Maurício Fossen negou o protesto por novo júri requerido pela defesa do casal Nardoni. Para mim, o magistrado agiu certo. Cuidei do tema noutro post.

Eis os trechos mais importantes da decisão judicial, proferida no dia 5/abr:

“1. Recebo o recurso interposto pelos réus às fls. e , e por seus II. Defensores às fls. , apenas como recurso de Apelação, por ter sido apresentado tempestivamente, ficando afastado, no entanto, seu acolhimento como pretensão de Protesto por Novo Júri. Porquanto se reconheça que se trata de matéria ainda não pacificada pela jurisprudência pátria, pelo fato da reforma processual introduzida pela Lei nº 11.689/2008, ainda ser muito recente, e a despeito do respeito que merecem aqueles que adotam posição contrária, filia-se este julgamento à corrente doutrinária que entende ser incabível o Protesto por Novo Júri na hipótese dos autos.

Aqueles que entendem ser ainda cabível o Protesto por Novo Júri em relação àqueles delitos que teriam sido praticados antes da entrada em vigor da Lei nº 11.689/2008, baseiam-se na alegação de que o dispositivo legal que previa a existência daquele recurso (art. 607 do CPP) possuía natureza jurídica de cunho misto, ou seja, tanto processual, quanto penal.

Contudo, ouso discordar desse posicionamento por filiar-me àquela corrente contrária que entende tratar-se de norma jurídica com natureza exclusivamente processual. Isto porque o referido dispositivo legal revogado que previa a existência daquele recurso não implicava, de forma direta, na soltura do réu quando de sua interposição ou mesmo na extinção de sua punibilidade, posto que, caso viesse a ser deferido, tão somente submeteria o réu a novo julgamento pelo Tribunal de Júri.

Portanto, como se vê, a utilização daquele recurso tinha por finalidade o exercício do duplo grau de jurisdição com base na quantidade da pena aplicada, cujo exercício (duplo grau) também era possível através de apelação, quando a Instância Superior eventualmente entendesse que a decisão dos jurados teria sido manifestamente contrária às provas dos autos, o que demonstra que a natureza jurídica do recurso de Protesto por Novo Júri seria unicamente processual.

Com a reforma processual introduzida pela Lei nº 11.689/2008, foi suprimida aquela disposição legal de natureza exclusivamente processual (protesto por novo júri), mantendo-se apenas o recurso de apelação e, com isso, respeitado o direito constitucional dos acusados ao exercício do duplo grau de jurisdição, inerente ao direito à ampla defesa.

Assim, se aquela norma de cunho exclusivamente processual deixou de existir em nosso ordenamento jurídico, essa alteração é aplicável desde logo para todos os casos que já estejam em andamento, ainda que o fato típico tenha ocorrido anteriormente à entrada em vigor do novel Diploma Legal, a teor do disposto no art. 2º do Código de Processo Penal, se naquele momento (entrada em vigor da nova lei) o direito subjetivo (interposição do recurso) ainda não havia sido exercido.

[…] Apesar de ainda incipiente nossa jurisprudência sobre o tema, pelo fato da reforma processual que aboliu o protesto por novo júri ainda ser bastante recente, já é possível identificar uma clara tendência perante o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no sentido do posicionamento aqui adotado, como demonstra a ementa de acórdão proferido por sua 5ª Câmara de Direito Criminal em 17.12.2009, em que foi relator o I. Desembargador Pinheiro Franco, a seguir transcrita:

“Habeas Corpus. Protesto por novo júri. Alegação de que ao tempo do crime ainda vigia dispositivo legal permitindo o recurso. Entendimento de o novo preceito não se aplicar ao caso, frente ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, por se tratar de norma de conteúdo material ligada à ampla defesa. Inadmissibilidade do pleito. Inteligência do artigo 2º, do CPP, que prevê a imediata aplicação da lei processual penal. Ampla defesa garantida, inclusive porque previsto recurso de apelação na lei vigente. Constrangimento ilegal não evidenciado. Ordem denegada.” (Habeas Corpus nº 990.09.257545-7, sem grifos no original).

Exatamente nesse mesmo sentido, podemos citar ainda os seguintes julgados do mesmo Tribunal de Justiça de São Paulo:

– Revisão Criminal nº 993.05.075249-6, 2º Grupo de Câmaras de Direito Criminal, relator Desembargador Willian Campos, julgamento em 20.10.2009, v.u.

– Apelação Criminal nº 990.09.169096-1, 1ª Câmara de Direito Criminal, relator Desembargador Márcio Bártoli, julgamento em 18.01.2010, v.u.

– Apelação Criminal nº 990.09.077729-0, 4ª Câmara de Direito Criminal, relator Desembargador Euvaldo Chaib, julgamento em 06.10.2009, v.u.

– Apelação Criminal nº 990.09.254052-1, 5ª Câmara de Direito Criminal, relator Desembargador Tristão Ribeiro, julgamento em 12.11.2009, v.u.

– Habeas Corpus nº 990.09.279824-3, 10ª Câmara de Direito Criminal, relator Desembargador David Haddad, julgamento em 10.12.2009, v.u.

Portanto, como se vê, quando surgiu para os réus o direito subjetivo à interposição do recurso, em decorrência da prolação da sentença condenatório pelo Tribunal do Júri em 27.03.2010, já havia entrado em vigor, de há muito, a Lei nº 11.689/2008, que havia revogado o art. 607 do Código de Processo Penal, motivo pelo qual não fazem mais jus à utilização daquela extinta via recursal, diante de sua natureza exclusivamente processual, a teor do disposto no art. 2º do Código de Processo Penal”.

Em suma: negado o protesto por novo júri, resta à defesa recorrer ao TJ/SP e, depois, ao STJ e STF, para tentar fazer valer o direito alegado. Quanto à apelação criminal, tal recurso terá tramitação regular perante o tribunal paulista, após a manifestação do Ministério Público. Portanto, ainda falta muito para a novela da vida e da morte de Isabella Nardoni chegar ao fim. Contudo, de antemão sabe-se que não haverá um final feliz. Não vale a pena ver de novo.

Um comentário

  1. Bom dia! Quem puder mim orientar por favor.
    Quando o juiz do caso nardoni diz: – daquele recurso não implicava, de forma direta, na soltura do réu quando de sua interposição ou mesmo na extinção de sua punibilidade, posto que, caso viesse a ser deferido, tão somente submeteria o réu a novo julgamento pelo Tribunal de Júri.
    Ele abre brecha quando diz de forma direta o recurso não implicaria na soltura do reu nem na extição de punibilidade.
    Implica dizer que de forma indireta sim ( o recurso implicaria pois em novo juri os reus poderiam pleitear sua inocencia ainda que remota a posibilidade).
    LEMBRA CASO DA IRMÃ DORATY:
    O fazendeiro (Bida)foi absolvido em segundo julgamento.
    É fato que o fazendeiro (Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida) foi condenado no seu 3º julgamento porém o protesto por novo júri mostra sua natureza jurídica penal, (diretamente) ampliando-o o prazo para ius puniendi poder de punir do estado, sendo que o crime aconteceu em 2005 estamos em 2010 não tendo uma resposta final do mesmo. (aumenta o prazo prescricional, o prazo para aplicação do ius puniendi). E causando uma possibilidade ainda que remota e indiretamente de novo júri. O réu pode ser absolvido, como o foi, só vindo a ser condenado em um 3º terceiro julgamento.
    Neste sentido, valemos da lição de Espínola Filho:
    Normas penais:
    As normas penais são aquelas que afetam, ainda que indiretamente, o ius puniendi (direito de punir) estatal, criando-o (norma penal incriminadora), ampliando-o (aumenta o prazo prescricional, o prazo para aplicação do ius puniendi) ou extinguindo-o (causa extintiva da punibilidade, abolitio criminis etc.).
    E O GRANDE X DA QÜESTÃO: SE O ART 607 DO CPP, É UNICAMENTE PROCESSUAL OU ADENTRA NO DIREITO MATERIAL DO REU POSTO, QUE AMPLIA DIRETAMENTE NO PRAZO PARA O ESTADO PUNIR POIS ATÉ ESSE MOMENTO DO PROCESSO O REU AINDA TEM A PRESUNÇÃO DE INOCENCIA. E INDIRTETAMENTE NA POSIBILIDADE AINDA QUE REMOTA DO REU SER ABSOLVIDO EM OUTRO JULGAMENTO.
    Partindo da premissia que devemos seguir a lei ao pé da letra.
    Tirando esse direito do réu faz letra morta o artigo 5º inciso LV : aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes e artigo 5º, inciso LVII: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.. Todos da nossa lei maior a Carta magna de 1988, A Constituição Federal.
    Friso :
    Deixando uma clareza quase que solar na resposta da questão. Que chega a doer a vista.
    Gostaria de se alguem puder mim ajudar, pois sou apenas um alto didata e mim interresei sobre o assunto. Era esperado o juiz primeira instancia negar e até mesmo o TJSP.
    Porém vejo muita coerencia do direito ao recurso ser garantido no STJ ou STF.
    Desde já agradeçido.

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