A ponte


Uma obra elitista, cara e desnecessária. Era o que diziam da ideia de construir uma ponte sobre a baía para ligar as duas cidades.

A viagem de mais de 100 km entre um lado e outro seria reduzida a menos de duas léguas, diziam. Mas não adiantava. A cada vez que se falava na ponte, os críticos tachavam-na de faraônica. “De jeito nenhum uma ponte aqui”, sentenciavam.

As coisas públicas costumam demorar. Era um sonho do governante construir a ligação viária, como outras no mundo. Quando a construção finalmente começou, já haviam passado cem anos! E há 39 anos, ficou pronta, com seus 14 km sobre a Guanabara: a Ponte Rio-Niterói. Mas esta história podia ser na Bahia.

Sobre a nossa ligação viária com a Ilha de Itaparica ouvem-se as mesmas críticas, o bulício é idêntico ao do século XIX, quando D. Pedro II quis construir a Rio-Nicteroy. Só quis. Não conseguiu. Os ataques ao “progresso” continuaram até 1968, quando a ditadura autorizou a obra.

A ponte ficou pronta em 1974. O “elefante branco” de outrora tornou-se uma das principais vias do Rio, um emblema do engenho humano na cidade presenteada por Deus com tantas belezas. Por ali transitam mais de 140 mil veículos todos os dias. Gente que trabalha, gente que estuda, gente que visita, gente que produz.

Imaginem o Rio sem a Ponte. O que seria da economia da cidade, já combalida com o tráfico de drogas? O que seria das pessoas entregues ao suplício das balsas na interminável travessia? Como resolver o problema dos cidadãos que sofrem naquele transporte, o equivalente carioca do nosso ferry boat?

Quarenta anos depois da inauguração da Ponte já se fala em uma segunda ligação viária entre o Rio e Niterói, porque os congestionamentos são diários. A ponte “inútil” já ficou “pequena”. Querem construir um arco rodoviário e um túnel de metrô, ou uma segunda ponte.

Enquanto isto na Bahia, ainda há quem acredite ingenuamente que não precisamos da ponte sobre a baía descoberta por Américo Vespúcio. Querem até que o debate fique restrito aos especialistas, olvidando que quem mais entende de uma cidade são os seus moradores.

Os refratários à ponte não sofrem por horas à espera do ferry boat ou não precisam fazer o contorno rodoviário pelo Recôncavo para alcançar outras paragens. Milhares de baianos precisam e fazem isto todos os dias. Atualmente, os atletas da travessia Mar Grande/Salvador chegam mais rápido a este lado da baía, a nado, que os sofredores usuários do terminal de São Joaquim. A coisa está tão feia que nem um bom despacho resolve.

No mundo inteiro, grandes baías, lindas enseadas, rios, lagoas e lagunas são cortados por pontes e extensas causeways. Basta visitar Nova Orleans, Miami, Tóquio, Sidney, Lisboa…

As maravilhas da Baía de Todos os Santos não desaparecerão à sombra da ponte. A proteção ambiental é fundamental para o futuro, mas o desenvolvimento também é. Se levássemos ao pé da letra certos dogmas, e Tomé de Souza houvesse acabado de chegar a estas terras, Salvador não poderia ser fundada onde foi. O Rio de Janeiro, a cidade mais linda do planeta, não estaria ali.

As cidades não ficam mais feias por causa de suas pontes. Se bem planejadas e responsavelmente construídas (de preferência sem corrupção, com segurança e respeito às leis ambientais), as pontes tornam-se cartões postais e atrações turísticas universalmente reconhecidas, como a JK de Brasília, a Hercílio Luz de Florianópolis, a estaiada de São Paulo, a Golden Gate de San Francisco, e a ponte do Brooklin em New York. Estas e outras tantas não são apenas úteis; chamam a atenção pela beleza e são exemplos do que de melhor a arquitetura e a engenharia, que são artes, podem oferecer.

Pontes embelezam, pontes alavancam o desenvolvimento, pontes unem pessoas. As longas estradas nos separam e nos atrasam. O Estado da “Baía” precisa da ponte agora. Uma ponte sem desvios, história tão comum nas grandes obras públicas brasileiras. Uma construção precedida de estudos de sustentabilidade. Uma iniciativa planejada, à altura desta cidade. Quem não tem lancha nem sabe nadar não pode esperar cem anos para ir rapidamente a Itaparica. Que Todos os Santos nos ajudem.

[Artigo originariamente publicado em A Tarde, de Salvador, em 17 de março de 2013].

2 comentários

  1. Tenho uma opinião (que é só uma opinião, decorrente de minha preconcepção): não precisamos dessa ponte. Ela será de duvidosa utilidade porque servirá apenas para deslocamento de veículos particulares, considerando o precário transporte público de Salvador e o mais triste ainda transporte metropolitano. A Ilha de Itaparica é uma ilha pequena, com quantidade de residentes que não justifica esse investimento. São somente 55.000 habitantes. Brotas, que é o bairro mais populoso de Salvador (IBGE, 2012), tem 70.000 habitantes e nunca se imaginou gastar quantidade de dinheiro orçamentário equivalente ao dessa ponte num ativo fixo nesse bairro. Se somarmos a população da Ilha (55.000) com as de Valença (89.500) e Nazaré das Farinhas (30.000), ainda assim teremos uma baixa densidade populacional para a potencial utilização de um ativo fixo de altíssimo custo. Temos em Salvador, ainda segundo a pesquisa do IBGE (2012), mais de 970.000 morando em favelas, onde esse dinheiro da ponte poderia ser mais aplicado em escolas, creches, espaços públicos, postos de saúde, segurança pública, microcrédito etc. enfim, em toda uma “infraestrutura social” (algo completamente ignorado e até indesejado por pequena mas dominante parte da sociedade brasileira). O incremento de educação, saúde, segurança e financiamento para essas quase 1 milhão de pessoas que moram em favelas aumentaria a oportunidade de melhoria social. Criar-se-ia, também, um ambiente propício ao empreendedorismo dos jovens dessas famílias, garantindo-lhes ascensão social e incremento na distribuição da riqueza. Toda a sociedade ganharia com isso, com aumento de mão de obra qualificada, uma nova geração de micro e médios empreendedores, uma diminuição substancial de jovens vinculados ao tráfico e a crimes contra o patrimônio, família emotivamente mais estabilizadas e economicamente mais coesas etc. Outra justificativa que não se sustenta é a existência de uma população transitória que constantemente se desloca para a ilha. A existência de uma população transitória – com casas de veraneio ou casas de aluguel – não é razão suficiente, numa análise de custo-benefício, para a construção da ponte. Essa população sazonal já existe (antes mesmo dessa ponte) e a possibilidade dela chegar mais rápido ao destino não implicará incremento da economia da ilha. Outra coisa: os “efeitos de integração” dessa obra de infraestrutura não são clarividentes. Aqui cabe à sociedade exigir dos administradores estatais que submetam todos os estudos realizados ao escrutínio público da sociedade civil, das universidades e do Ministério Público. Ainda que as pessoas que formem essas figuras possam ter suas respectivas posições pessoais, todas elas devem, coletiva e institucionalmente, se desapegar de concepções individuais prévias contra ou a favor da ponte e analisar a discricionariedade técnica, a necessidade econômico-social e os efeitos integrativos dessa obra de infraestrutura para a região. Outro dado deve ser igualmente considerado: o estresse da infraestrutura aquaviária existente entre Salvador e a ilha se deve mais à má gestão que propriamente à exaustão do modelo de transporte marítimo. É evidente, aliás, que houve um contínuo crescimento da demanda por esse transporte que foi desacompanhada da evolução da oferta de infraestrutura (tanto na época da gestão estatal, como na triste passagem pela iniciativa privada). Esse estresse de infraestrutura pode ter ocorrido, aliás, pela desatenção com crescimento da sua demanda, pela falta de regulação adequada, pela ausência de políticas institucionais para recomposição da atratividade econômica desse serviço (já que o transporte marítimo era, é e sempre será notoriamente deficitário), dentre outras coisas. Mas nada disso parece, num primeiro momento, justificar a necessidade de construir uma ponte de vários bilhões de reais enquanto se poderia investir na melhoria do transporte marítimo via incentivos regulatórios e/ou financeiros. Além disso, efeitos econômicos adversos podem surgir com a especulação imobiliária irracional na Ilha e a degradação ambiental da Ilha e da região de Valença e adjacências. Sem contar que, dada a “tragédia dos comuns” que assola negativamente a história brasileira no trato com o dinheiro público, será uma grande “oportunidade” para operações nebulosas com a coisa alheia. Inicialmente orçada em R$2,5 bilhões, essa ponte de 13,3km já está com seus custos projetados para R$ 7 bilhões. Só para ter ideia do butim que está possivelmente sendo preparado, na China (veja bem, na CHINA, onde comentaristas e jornalistas brasileiros veem corrupção em qualquer ato dos dirigentes) eles construíram uma ponte de 41,58 Km (isso mesmo, 41,5 Km!) sobre a baía de Jiaodhou a um custo de R$3 bilhões (informação oficial). Ou seja, a ponte chinesa é pouco mais de 3 vezes maior que a baiana, mas saiu, ao menos oficialmente, por menos da metade do preço da nossa. É o Brasil… Por tudo isso e mais outras coisas, o benefício dessa ponte é extremamente duvidoso.

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  2. Prezado,

    por falar em ponte sem desvios, não pude deixar de lembrar da Ponte Rio Negro que liga minha cidade (Manaus) a Iranduba, e custou pouco mais de 1 bilhão de reais, com seus 3,5 km de extensão.

    Uma coisa não se pode negar: facilitou e muito o acesso ao interior do Estado…

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