O coronel entrou pelo cano


Charge de Cau Gomez: http://www.caugomez.blogspot.com/

Ratazanas gostam de esgotos.

A vida do coronel Muamar Kadafi desfez-se como os grãos de areia de uma duna do deserto. Sua tenda caiu definitivamente. Se seu governo durou muitos anos, seu ocaso foi célere como uma gestação.

Veio a rebelião, vieram as batalhas, vieram os caças e os bombardeiros, e nesta semana de outubro seu comboio foi atingido em cheio. Fugia como um rato. Antes não lhe faltavam tendas beduínas nem palácios suntuosos. Não lhe faltavam guarda-costas nem seguranças. Tampouco lhe faltavam salamaleques. Depois, tudo se acabou. Como para outro ditador antes dele, Saddam Hussein, do Iraque, o último quinhão de Kadafi no mundo foi um buraco qualquer num país que um dia foi dele.

Kadafi entrou pelo cano.

Ratazanas gostam de buracos.

E gostam ainda mais de buracos de petróleo. Os canos do óleo abundante na Líbia ajudaram a levar embora o sangue de Kadafi.

Depois do cano do esgoto, no qual ele buscou abrigo, veio o cano do revólver que lhe matou. Agora dos poços no deserto jorrarão milhões barris de óleo negro que a OTAN cobiçava, e que dutos levarão para o Ocidente.

Ratazanas são devoradoras.

Saddam Hussein teve mais “sorte” que seu companheiro de ofício. Depois de capturado, foi submetido a um arremedo de julgamento. Aparentemente, pode defender-se, mas terminou sendo executado na forca, numa cena tétrica que rodou o mundo.

Kadafi foi capturado e sumariamente executado; foi justiçado, quase linchado. Imagens horrendas de sua morte também varreram o planeta. Era um fim provável, mas um fim lamentável, mesmo para um tirano.

Ratazanas gostam de carcaças e carniças.

O corpo do líder criminoso foi carregado e exibido como um troféu. Se era o fim de uma era e de uma guerra, a “nova” Líbia começa muito mal. Se muda o governo, é de se esperar que mudem os métodos.

Onde não há direitos para os “maus”, não pode haver justiça nem liberdade para os “bons”.

Por pior que Kadafi fosse (e era), cabia aos líderes rebeldes garantir sua rendição. Quiçá, o coronel pudesse ser julgado por um tribunal líbio. Ou talvez pudesse ser submetido a julgamento pelo Tribunal Penal Internacional, em Haia, onde poderia ser condenado a prisão perpétua, com respeito ao devido processo legal e ao contraditório.

Kadafi teve o destino que escolheu e foi vítima de sua soberba e prepotência. Até o fim, flertou com a morte. Esse homem não tem minha simpatia. Mas os que lhe assassinaram não parecem ser muito diferentes dele.

O poder não corrompe. O poder, em qualquer de suas formas, revela o homem.

Somos homens ou ratos?

7 comentários

  1. Onde estão os direitos humanos? As nações unidas? Era ditador? Sim. Mas tem direitos, como todas as pessoas.”Direito e Razão” do velho Ferrajoli neles. Está tudo errado no mundo!

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  2. Mestre,

    Sou muito muito fã de seu blog.
    Atuo nessa área e sinto que aprendo mais até mesmo aqui do que na prática.
    Pena já estar formando… Queria ter oportunidade de pegar mais matérias com o senhor.

    Estava próximo ao local da infração nesse dia, passando de carro. Cheguei a ver o rapaz com os cabelos roubados.
    Esse mundo está perdido, viu? Hunf!
    Cada dia que passa, mais assombraçõezinhas me aparecem.

    Abraços

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  3. Magnífico e admirável senso de retidão! É como posso traduzir o seu posicionamento frente à morte do ex-ditador líbio, Muamar Kadafi. Ao usar a polissemia como recurso, revela sobre as palavras a profundidade do discurso político. No cano: cano de esgoto e cano de revólver se depreende, também, cano com o sentido de se dar mal e esgoto, representando o lado mais podre e abominável do ser humano, que também não cumpre a Lei, que age com as próprias mãos, com sua ação quase próxima à barbárie.
    Os jogos de sentidos com os paralelismos: “Ratazanas gostam de esgotos, ratazanas gostam de buracos, ratazanas são devoradoras e ratazanas gostam de carcaças e carniças”, surgem em gradação e mostram a hierarquia da desumanidade de uns para com os outros: do ditador para com o povo, do povo para com o ditador e dos organismos internacionais, onde chefes de governo estão “de olho” no desmonte da unidade nacional para despojar o petróleo e os bens nacionais.
    Referindo-se ao ditador, lado a lado estão aqueles os quais o lançaram no buraco e aqueles que, de certa forma, estiveram apostando e patrocinando direta ou indiretamente esta mesma morte por interesse político- econômico. Mantendo-se o “Olho por olho e dente por dente”.
    O esgoto combina com ratazana, elementos de um mesmo contexto semântico, que representa o lado mais vil da perversidade, onde matar vira hobby, não há mais limite sobre o uso de determinadas armas, o rato está para a lama, assim como o corruptor está para corromper e produzir o corrupto.
    Abomino a atitude de todos que estiveram envolvidos nessa panela de caldo fétido.
    Entretanto parabenizo a qualidade da sua argumentação

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  4. Curiosa é a destreza de Bin Laden e a magnífica esperteza do Obama….Kaddaffi foi morto rapidamente e o presidente: “Yes, we can” conseguiu capturar Bin Laden, coisa que Bush não o fez após incansáveis tentativas, embora tenha conseguido pegar Sadam….estranho né? o mago Terrorista Mor tem seu túmulo no mar, só eu para acreditar nessa história… O que me deixa tranquilo é que criamos os ditadores e com nova crise do petróleo vamos atrás deles retomar nossas bases de ouro negro, mas onde eu moro nem precisa guerra, basta chegar aqui e falar: “Nossas portas estão abertas para a grande Nação do mundo em evidência, levem seus filhos para passearem lá” que nós entregamos o ouro….”Quem me dera ao menos uma vez ter de volta todo ouro que entreguei a quem conseguiu me convencer que era prova de amizade…” Bom melhor assim que receber bomba….já está na hora de ir atrás de Chavez ou espera ele morrer igual seu Madruga?

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