A história da mulher tomate


Parecia sangue mas era ketchup. Não sei se era Cepêra ou Heinz. A aparência não era das melhores. A foto tosca indicava uma produção de baixo custo. A posição da faca revelava um arranjo mal-ajambrado. José Mojica Marins, o “Zé do Caixão”, faria muito melhor.

Em Pindobaçu, norte da Bahia, um sujeito, a quem chamarei de “Mévio”, teria sido contratado para matar uma mulher, que apelidei de “Lívia”.

O crime de mando teria sido encomendado por “Tércia”, para tirá-la do caminho de “Caio”, o galã da história.

O papel de vilã foi desempenhado por “Tércia”, a suposta mandante do homicídio.

No papel da “Mulher Tomate”, estava “Lívia”, a suposta morta, que mostrou ser bem viva. Revelado o plano “maligno” de “Tércia”, ela e o pretenso matador se juntaram para passar a perna na “autora intelectual” do crime.

Que delito é este?

Em primeiro lugar, a mandante “Tércia” não cometeu crime algum ao arquitetar a morte da rival. No Brasil não há o delito de conspiração, e, por incrível que pareça, ordenar a morte de alguém não chega sequer a ser uma tentativa de homicídio. É mero ato preparatório impunível. No máximo e com muito esforço, poderia ser uma ameaça (art. 147 do CP).

Para a mandante, sobra o delito de falsa comunicação de crime, porque “Tércia” teria registrado ocorrência policial de roubo contra o matador “bonzinho”, sabendo que a história foi outra. Pode cair no artigo 340 do CP, com pena de 1 a 6 meses de detenção, ou multa. E só!

Quanto à ex-futura vítima e ao seu algoz-cúmplice-arrependido, a situação é diferente. Eu diria que houve um estelionato praticado por ambos contra dona Tércia, a vilã. Para eles, a pena seria de 1 a 5 anos de reclusão e multa (art. 171, CP).

Mas esse 171 é meio difícil de explicar. Claro que os dois induziram a mandante em erro mediante a foto da falsa morta. Com este ardil, obtiveram vantagem indevida em prejuízo de “Tércia”, no valor de uns mil reais.

Porém, esse dinheiro seria a paga pelo homicídio. Como tutelar penalmente esse prejuízo ao patrimônio da suposta mandante?

Os mais “garantistas” diriam que se trata de mera questão contratual (!), a se resolver no cível. Mas o objeto desse contrato é ilícito. Logo, d. Tércia não tem como reaver a grana.

Essa tragicomédia pastelão não merece aplausos. Os (d)efeitos especiais empregados na montagem foram de péssima categoria. O roteiro, mirabolante, foi mal executado (ainda bem!). Seus atores, muito ruins, só merecem gargalhadas e tomatadas.

5 comentários

  1. Mesmo os pequenos textos me levam a interessantes reflexões e conclusões. Parabéns pelo blog, mestre!
    Te desejo sucesso e sabedoria divina em tudo que realizar!
    Abraços.

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  2. Caro Vladmir,

    Espero que tudo esteja bem, também me deparei com essa comédia pastelão e concordo com a análise sobre o estelionato,

    Todavia, pensei que a mandante responderia por homicídio, pois ela efetivamente contratou um pistoleiro e depois que ele saiu de sua presença e foi ao encontro da provável vítima ela já não tinha mais controle sobre o acontecimento, mesmo se mudasse de opinião. De modo que o objeto era idôneo, pessoa viva, e o instrumento adequado, pistoleiro, não ocorrendo o resultado por fato externo à ação do autor mediato, concluí: tentativa de homicídio doloso.

    Diferente da hipótese na qual ela diria: Vou contratar um pistoleiro para te matar, para a provável vítima. Ou, para o pistoleiro: Pretendo conversar com você sobre eventual contrato de morte.

    Aqui me parece questaríamos no âmbito da ameaça e atos preparatórios, mas não foi essa conclusão que cheguei pelas, parcas, informações que tive acesso.

    De qualquer modo, se o professor está dizendo, vou ponderar a respeito.

    Samuel Martins.

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    • Sou mais restritivo nesse exame, Samuel. Mas sua tese é juridicamente aceitável. Pensando como membro do MP, eu não a denunciaria, por impossibilidade de imputação objetiva com os dados de que dispomos. Abs.

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      • Perfeito Vladimir,

        Conversando com um amigo professor de penal, o mesmo me lembrou a teoria restritiva da tentativa apenas quando se inicia o dano ao bem jurídico protegido, que não ocorreu no caso.

        De modo que o seu argumento é absolutamente correto,

        Por mais que incomode a situação, é como um limite ao sistema normativo.

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