Caso Stang: idas e vindas


De um extremo a outro do País, de São Paulo ao Pará, de um homicídio a outro, duas vítimas inocentes e em tela o mesmo tema: o protesto por novo júri e suas consequências nefastas.

Em fevereiro de 2005, a missionária norte-americana Dorothy Stang foi assassinada a tiros, num crime de mando, em Anapu, comarca de Pacajá, Estado do Pará, em função de sua luta pelos direitos humanos naquela região castigada do Brasil. Quatro pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público, pelo crime de homicídio duplamente qualificado (art. 121, §2º, incisos I e IV, do CP): promessa de recompensa e recurso que dificultou a defesa da vítima, em concurso de agentes (art. 29 do CP). Leia a denúncia.

O caso ganhou notoriedade internacional. Foi tão grande a repercussão que o então Procurador-Geral da República Cláudio Fonteles selecionou este caso para “federalização”. Foi a primeira vez que a PGR suscitou perante o STJ o incidente de deslocamento de competência previsto no art. 109, inciso V-A e §5º, da Constituição.

“§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal“.

Ou seja, por esse instituto, criado pela EC 45/2004, um caso de competência da Justiça Estadual pode ser julgado pela Justiça Federal, se houver o reconhecimento pelo STJ da leniência ou inércia dos órgãos locais de persecução. Para saber mais, veja o artigo de minha autoria, “Federalização dos crimes contra os direitos humanos” , também publicado neste blog.

O IDC n. 1/2005 acabou sendo indeferido pelo STJ. Por tal razão, a causa criminal continuou afeta à Justiça paraense, aos cuidados do Ministério Público do Pará e da Vara do Júri de Belém, para onde a ação penal foi desaforada e tomou o número 2005.2.052241-5. Veja aqui o acórdão do IDC.

Adiamento do júri

O fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o “Bida”, suposto mandante do homicídio da irmã Dorothy, deveria ter sido julgado hoje, 31/mar, no Pará. No entanto, Eduardo Imbiriba, advogado do réu, não compareceu ao plenário e a sessão teve de ser adiada para o dia 12/abr. O defensor alegou que aguardava uma decisão do STF sobre um habeas corpus impetrado pela defesa.

O advogado podia faltar à sessão? Embora pudesse, não devia. A hipótese está prevista no art. 456 do CPP:

“Art. 456. Se a falta, sem escusa legítima, for do advogado do acusado, e se outro não for por este constituído, o fato será imediatamente comunicado ao presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com a data designada para a nova sessão.

§ 1o Não havendo escusa legítima, o julgamento será adiado somente uma vez, devendo o acusado ser julgado quando chamado novamente.

§ 2o Na hipótese do § 1o deste artigo, o juiz intimará a Defensoria Pública para o novo julgamento, que será adiado para o primeiro dia desimpedido, observado o prazo mínimo de 10 (dez) dias.”

O júri seria presidido pelo juiz Raimundo Moisés Flexa. Em função da ausência, o magistrado designou o defensor público Alex Noronha para defender “Bida” na próxima sessão. Se o advogado constituído não comparecer, o julgamento terá de acontecer.

A acusação estará a cargo do promotor Édson Cardoso. Na assistência funcionarão Aton Fon Filho e José Batista Gonçalves Afonso. Segundo os autos, os acusados teriam oferecido R$50 mil pela morte da missionária Stang.

Terceiro júri de “Bida”

Esse seria o terceiro julgamento do acusado “Bida”. No primeiro júri, em maio/2007, “Bida” foi condenado a 30 anos de reclusão, por homicídio qualificado. Leia aqui a sentença. Houve protesto por novo júri (o mesmo “recurso” que pode beneficiar os Nardoni) e “Bida” foi absolvido no segundo julgamento, realizado em maio/2008. O Ministério Público do Estado do Pará interpôs apelação criminal e conseguiu a anulação desse segundo julgamento (art. 593 do CPP), o que acarretou a marcação de uma nova sessão com novo conselho de sentença. “Bida” está preso. O último suspeito, Regivaldo Galvão, será julgado em 30/abr.

Três outros réus já foram condenados pela morte de Dorothy Stang, como executores materiais ou partícipes. São eles Rayfran das Neves Sales, Clodoaldo Carlos Batista e Amair Feijoli da Cunha, o “Tato”. “Tato” teria dito em carta manuscrita que “Bida” foi o mandante do crime. Leia a reportagem da Folha de São Paulo:

“Na carta, Tato afirma que vinha recebendo ‘muita pressão’ do fazendeiro e que, se não corroborasse a versão da defesa, não iria ficar ‘vivo na cadeia’. Diz também que, ‘para ajudar’ o fazendeiro, participou de ‘uma fita gravada com um repórter […] que veio aqui. Eu fiz isso porque eu fiquei com medo’. ‘A verdade é que ele [Bida] mandou o Rayfran [das Neves, outro condenado] matar a irmã Dorothy”, escreveu. A outra declaração é o depoimento de abril do ano passado dado por Clodoaldo Carlos Batista, que estava com Rayfran no momento em que este atirou em Stang. Clodoaldo cumpre 17 anos de prisão por participação na morte. Segundo disse, a gravação que absolveu Bida ‘custou R$ 300 mil, sendo uma terra no valor de R$ 150 mil [no sul do Pará], dois carros [um deles no valor de R$ 30 mil] e mais uma quantia R$ 12 mil’. De acordo com Clodoaldo, todos os bens foram entregues à mulher de Tato por um funcionário de Bida. Clodoaldo afirmou também que os valores e a negociação foram relatados a ele pelo próprio Tato.”

Como se vê, o protesto por novo júri pode criar oportunidades para absolvições indevidas, afetando gravemente a credibilidade do Judiciário, do próprio País e acentuando o sentimento de impunidade. Tardará um pouco mais a hora da Justiça para a religiosa Dorothy. Não foi na Semana Santa. Mas espera-se que seja em Belém.

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