Art. 60. Compete, privativamente, à Câmara Legislativa do Distrito Federal: XXIII – autorizar, por dois terços dos seus membros, a instauração de processo contra o Governador, o Vice-Governador e os Secretários de Estado
Por sua vez, o art. 103 da LODF determina que:
Art. 103. Admitida acusação contra o Governador, por dois terços da Câmara Legislativa, será ele submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, nas infrações penais comuns […].
Dispositivo semelhante também existe na Constituição Federal, em relação ao presidente da República. Eis o art. 86 da CF/88:
Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
Diz-se, então, que, pelo princípio da simetria, os Chefes do Poder Executivo estadual e distrital devem ter as mesmas garantias que o Chefe do Poder Executivo da nação. E que, pelo princípio federativo, o governador deve ser “protegido” de eventual julgamento criminal abusivo por parte de um tribunal federal. Várias constituições estaduais têm regras semelhantes.
Antevendo esse óbice procedimental, em dezembro a PGR propôs perante o STF uma ação direta de inconstitucionalidade para tornar inválida a referida norma. O argumento da PGR é de que a LODF não pode estabelecer limitações à competência jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça, que tem sede constitucional. Entende também a PGR que a norma viola o princípio republicano, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e a regra da separação dos poderes.
Há precedentes de declaração de inconstitucionalidade de dispositivos da LODF em matéria correlata (responsabilidade penal do governador). De fato, mediante a ADI 1020/DF, também proposta pela PGR, o STF declarou inconstitucional a regra que proibia a prisão do governador do DF antes da sentença penal condenatória (STF, tribunal pleno, por maioria, rel. para o acórdão Celso de Mello, j. em 19/10/1995). A nova ação direta que ataca o art. 60, inciso XXIII, da LODF, foi distribuída como ADI 4362 e tem como relator o ministro Dias Toffoli, novato no tribunal.
Resumo da ópera: o governador Arruda só será réu em ação penal no STJ se a Câmara Legislativa do DF, por ele controlada, o autorizar. Sem tal licença, a denúncia do MPF/PGR não poderá ser recebida e não será possível levar adiante a apuração judicial dos fatos, nem obter o afastamento do governador de suas funções (art. 103, §1º, inciso I, da LODF). A jurisprudência do STF já reconheceu a constitucionalidade de dispositivos idênticos nas constituições dos Estados de Minas Gerais (HC 80.511-6/MG, 2ª Turma, rel. Celso de Mello, j. 21/08/2001) e Paraíba (HC 86.015-0/PB, 1ª Turma, rel. Sepúlveda Pertence, j. 16/08/2005), em ações penais propostas pelo MPF contra os ex-governadores Itamar Franco e Cássio Cunha Lima, respectivamente. Essas decisões foram unânimes. Para o STF, cabe às casas legislativas “exercer verdadeiro controle político prévio de qualquer acusação penal deduzida contra o Chefe do Poder Executivo do Estado-membro”, tendo em vista a possibilidade de “grave comprometimento da própria autonomia político-institucional da unidade federada que dirige.” O STF entende que poderia haver ofensa à soberania popular, em razão do afastamento automático, por 180 dias, do governador, que ocorre quando a denúncia é recebida pelo STJ.
Por enquanto, só a Câmara Legislativa do Distrito Federal tem as chaves (?) da Caixa de Pandora. Depende dela autorizar a abertura do processo de impeachment do governador (julgamento político). Também dela depende autorizar o início da ação penal perante o Judiciário (julgamento criminal). Mais uma vez, cabe ao STF prover uma solução. E que o faça bem, pois, caso contrário, só poderemos olhar o interior desta e de outras caixas pelo buraco da fechadura, se é que há algum.
Se o STF mantiver a validade do dispositivo questionado pela PGR na ADI 4362/DF, o governador Arruda só poderá ser processado quando seu mandato se encerrar. Aí então, Arruda não terá mais direito ao foro privilegiado e deverá ser julgado em primeira instância, por um juiz do Distrito Federal. Por enquanto, o governador está tranquilão…