A origem da lista tríplice para a escolha dos Chefes do Ministério Público


Salvador (entre 1756 e 1758) em gravura do engenheiro José Antônio Caldas. O Tribunal da Relação da Bahia aparece acima à direita.

No século 19 não existia ainda um Ministério Público profissional, organizado em carreira. Os promotores públicos – nome que então se dava ao cargo – eram nomeados pelo governo imperial, na Corte, com sede no Rio de Janeiro, e pelos presidentes (agora “governadores”) nas antigas províncias (hoje chamadas Estados).

No Império, os promotores públicos eram nomeados a partir de uma lista tríplice proposta pelas Câmaras Municipais para exercerem suas funções por três anos. Em todas as cidades e vilas havia Câmaras, às quais competia o “governo economico, e municipal das mesmas Cidades, e Villas”, segundo a Constituição de 1824. 

O procedimento de então não era uma inovação do Império. Remetia-se à forma pela qual eram escolhidas as autoridades coloniais, estando esta praxe, consolidada ao longo dos séculos, na origem remota das listas tríplices para a escolha dos procuradores-gerais de Justiça e, por extensão, do procurador-Geral da República (PGR). Estas autoridades são, na atualidade, respectivamente, os chefes dos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal e do Ministério Público Federal.

Dizia o art. 36 do Código de Processo Criminal de primeira instância do Império do Brazil, aprovado pela Lei de 29 de novembro de 1832:

“Art. 36. Podem ser Promotores os que podem ser Jurados; entre estes serão preferidos os que forem instruidos nas Leis, e serão nomeados pelo Governo na Côrte, e pelo Presidente nas Provincias, por tempo de tres annos, sobre proposta triplice das Camaras Municipaes.”

Enquanto os promotores do Império eram assim designados, os procuradores da República, cargo criado logo após a proclamação republicana, eram nomeados na forma prevista no art. 23 no Decreto 848, de 11 de outubro de 1890, segundo o qual: 

“Art. 23. Em cada secção de justiça federal haverá um procurador da Republica, nomeado pelo Presidente da Republica, por quatro annos, durante os quaes não poderá ser removido, salvo si o requerer.”


Os Procuradores-Gerais eram ministros do Supremo

Na Primeira República, à luz do art. 58, §2º, da Constituição de 1891, o Procurador-Geral da República era sempre um ministro do Supremo Tribunal Federal. Dizia o art. 6º do Decreto 848, de 11 de outubro de 1890:

Art. 6º O Presidente da Republica nomeará um dos membros do Supremo Tribunal Federal para exercer as funcções de Procurador Geral da Republica.

Esta tradição também vem da fase colonial. O Promotor da Justiça da Casa de Suplicação, o maior tribunal do País, era escolhido entre os seus membros.

Lemos no Alvará de 10 de maio de 1808, que tratava da Casa de Suplicação do Brasil, com sede no Rio de Janeiro:

IV. A Casa da supplicação do Brazil se comporá além do Regedor que eu houver por bem nomear, do Chanceller da Casa, de oito Desembargadores dos aggravos, de um Corregedor de Crime da Côrte e Casa, de um Juiz dos Feitos da Coroa e Fazenda, de um Procurador dos Feitos da Coroa e Fazenda, de um Corregedor do Civil da Côrte, de um Juiz da Chancellaria, de um Ouvidor do Crime, de um Promotor da Justiça e de mais seis Extravagantes.

O denominado “Desembargador Promotor das Justiças da Casa da Suplicação” tinha, por exemplo, as atribuições de “promotor e fiscal” dos delitos de liberdade de imprensa, conforme o Decreto de 5 de junho de 1823.

Desde a criação do Tribunal da Relação da Bahia, em 1609 – que foi o primeiro tribunal do Brasil – já havia ali um Procurador dos Feitos da Coroa, que acumulava as funções de promotor da justiça sendo escolhido entre os dez desembargadores da Relação. Esta corte funcionou em Salvador, com homólogas no Rio de Janeiro e em São Luís.

Naquele período, o processo de seleção de magistrados era conturbado e podia dar lugar a nomeações que favoreceriam a corrupção e desmandos. Em O governo da Justiça e os magistrados no mundo luso-brasileiro, relata a historiadora Isabele Matos Pereira de Melo, com referência à carta enviada pelo desembargador Luís Salema de Carvalho a Marcos Rodrigues Tinoco em 27 de janeiro de 1656:

“Na documentação do Conselho Ultramarino, as informações sobre o processo de restabelecimento da Relação são praticamente inexistentes. Um dos poucos relatos do período foi emitido pelo desembargador Luís Salema de Carvalho. O magistrado observou que havia grande desconfiança em relação ao tribunal e emitiu severas críticas sobre o desembargador indicado para o ofício de chanceler. Para Luís de Salema, o chanceler e os desembargadores da Relação da Bahia deviam chegar à capitania com o intuito de “defender os cordeiros dos lobos”, entretanto a monarquia tinha enviado “mais lobos para esfolarem os pobres”.

Somente em 1934, a mais alta hierarquia do Ministério Público republicano deixou de ser escolhida dentre os integrantes dos tribunais perante os quais oficiavam, como era feito nos períodos colonial e imperial e na primeira fase republicana. Foi quando o art. 95 da Constituição passou a determinar que o Procurador-Geral da República seria de livre nomeação do presidente da República, com aprovação do Senado Federal, dentre cidadãos com os requisitos estabelecidos para os ministros da Corte Suprema.

O PGR não seria mais um dos ministros do mais alto tribunal da República, mas continuava a ter os mesmos predicamentos que estes, o que é uma das razões históricas para a simetria de direitos e deveres dessas duas magistraturas.


As listas tríplices no período colonial e no Império

Já em 1654, a composição do Tribunal da Bahia (Relação do Estado do Brasil) se fazia por lista tríplice, votada pelo Conselho Ultramarino, órgão ao qual cabia a indicação dos desembargadores a serem escolhidos pelo rei para servir nas possessões portuguesas de ultramar. “As listas tríplices de indicação para os lugares de letras nunca apresentam as razões que motivaram os votos em um dos candidatos”, diz Melo.

Criado em 1642, “por não haver no Reino de Portugal hum tribunal separado para se tratarem nelle os negócios” da Índia, Brasil, Guiné, São Tomé, Cabo Verde, Açores, Madeira e das demais terras coloniais, o Conselho Ultramarino funcionou em Lisboa até 1808, quando foi transferido ao Brasil. Cabia-lhe a administração das colônias, a decisão sobre o movimento marítimo e o provimento dos ofícios de Justiça e Fazenda.

O Conselho Ultramariano fiava-se em listas tríplices para preencher as mais importantes funções do governo metropolitano nas colônias. Sobre a indicação do 28º goverenador geral do Brasil (1690-1694), o historiador Evaldo Cabral de Mello conta: “Cirscunstância excepcionalíssima, Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho foi designado governador ‘sem consulta nem decreto’, ao arrepio da praxe de selecioná-los em lista tríplice do Conselho Ultramarino (in A fronda dos mazombos: nobres contra mascates: Pernambuco, 1666-1775. 2.ed. São Paulo: Editora 34, p. 70).

Segundo Ross Barwell, a seleção e a nomeação de oficiais régios para os mais altos cargos de governo das capitanias do Brasil dava-se mesmo por lista tríplice (in The Governors of Portugal’s South Atlantic Empire in the Seventeenth Century. PhD Dissertation, University of California, Santa Barbara, 1974).

Sobre o art. 36 do Código de Processo Criminal do Império de 1832, que manteve esse modelo de seleção para certos cargos judiciários do Brasil, que acabara de se tornar independente, Oliveira Viana registra que “O promotor público, o juiz municipal, o juiz de órfãos, embora nomeados pelo governo central, são, segundo o mesmo sistema, escolhidos numa lista tríplice, organizada pela câmara municipal, corporação eletiva e, por isso mesmo, sob a dominação imediata dos caudilhos fazendeiros.” (in Populações Meridionais do Brasil, 1920, p. 1087-1088).


A lista tríplice no Ministério Público republicano

Na vigência da Constituição de 1946, a Lei 1.341, de 30 de janeiro de 1951, organizou o Ministério Público da União, estabelecendo que seus cargos, salvo os de ProcuradorGeral, seriam providos em caráter efetivo e constituíriam uma carreira. Consolidaram-se o Ministério Público Federal, o Ministério Público Militar e o Ministério Público da Justiça do Trabalho e foi regulado o Ministério Público Eleitoral, já com o caráter híbrido que mantém até hoje.

Ao longo do século passado, o Ministério Público do Distrito Federal foi objeto de sucessivos diplomas legais, tanto na fase do Rio de Janeiro quanto na etapa de Brasília. Dele cuidaram o Decreto nº 9.263, de 28 de Dezembro de 1911 (Reorganizou a Justiça do Districto Federal), o Decreto nº 16.273, de 20 de Dezembro de 1923 (Reorganizou a Justiça do Districto Federal), o Decreto-lei 8.527, de 31 de dezembro de 1945 (Código de Organização Judiciária do Distrito Federal), a Lei 3.434, de 20 de julho de 1958 (Código do Ministério Público do Distrito Federal), e a Lei 3.754, de 14 de abril de 1960 (Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal). Seu procurador-geral era sempre de livre nomeação, modelo que só mudou com a Lei Complementar 75/1993.

Ao longo do século 20, a nomeação do PGR, já então indicado como chefe do MPF (art. 27, I, da Lei 1.341/1951), cabia ao presidente da República, após aprovada a escolha pelo Senado Federal. Segundo a ideia de simetria entre as carreiras judiciárias em sentido amplo, o Procurador-Geral devia ser escolhido entre candidatos que preenchessem os requisitos para serem ministros do STF. No entanto, o PGR era demissível ad nutum e respondia ao Ministro da Justiça.

Reconheciam-se diferentes carreiras no MPU. O art. 4º da antiga lei orgânica vedava “as transferências para cargos do Ministério Público da União, inclusive de uma para outra das carreiras reguladas” por aquela lei.

Segundo o art. 3º, §4º, da Lei 1.341/1951, ao final do concurso público para as carreiras do MPU, formava-se uma lista tríplice com os candidatos de melhor classificação para que o ministro de Estado competente escolhesse um deles:

§ Salvo quando inferior a três o número de candidatos habilitados, o Procurador Geral remeterá ao Ministro de Estado lista tríplice para cada vaga, obedecida a ordem de classificação no concurso, devendo a nomeação recair em um dos indicados.

Em observância ao art. 128 da Constituição Federal de 1946, os Ministérios Públicos dos Estados também passaram a ser organizados em carreira, acessível mediante concurso público:

Art 128 – Nos Estados, a Ministério Público será também organizado em carreira, observados os preceitos do artigo anterior e mais o principio de promoção de entrância a entrância.

A primeira Lei Orgânica Nacional dos Ministérios Públicos dos Estados foi aprovada somente nos anos 1980, sob a Constituição de 1969. Sancionada em 14 de dezembro de 1981 pelo presidente João Batista Figueiredo, aquela lei começou a desenhar o novo MP brasileiro. O Ministério Público dos Estados deveria ser organizado em carreira e teria autonomia administrativa e financeira, dispondo de dotação orçamentária. Esta lei é um dos mais importantes marcos da evolução desta instituição. Ali estavam as bases do que viria a ser reconhecido em 5 de outubro de 1988.

Com a Lei Complementar 40, de 14 de dezembro de 1981 – data que ficou sendo o Dia Nacional da Instituição –, o Ministério Público passou a ser considerado instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, responsável, perante o Judiciário, pela defesa da ordem jurídica e dos interesses indisponíveis da sociedade, pela fiel observância da Constituição e das leis. Para garantir o cumprimento dessa missão, o art. 2º da LC 40/1981 listou a unidade, a indivisibilidade e a autonomia funcional como princípios institucionais do Ministério Público.

Conforme o art. 6º da LC 40/1981, o Ministério Público dos Estados tinha por chefe o Procurador-Geral de Justiça, nomeado pelo Governador do Estado, nos termos da legislação estadual. O chefe da instituição tinha então prerrogativas e representação de Secretário de Estado.

Embora timidamente, listas tríplices também aparecem na lei complementar 40/1981. Competia ao Procurador-Geral de Justiça designar o Corregedor-Geral do Ministério Público do Estado, dentre lista tríplice apresentada pelo Colégio de Procuradores. E era atribuição do Conselho Superior dos Ministério Público dos Estados indicar, em lista tríplice, os candidatos à promoção por merecimento.

Alguns Estados aproveitaram a franquia do art. 6º da LC 40/1981 e instituíram listas tríplices para a escolha de seus procuradores-gerais. Foi o caso de São Paulo.

Mediante o art. 6º da Lei Complementar Estadual 304, de 28 de dezembro de 1982, o Procurador-Geral de Justiça de São Paulo seria nomeado pelo Governador do Estado, com prerrogativas e representação de Secretário de Estado, para um mandato de dois anos, dentre uma lista tríplice integrada por Procuradores de Justiça. A lista tríplice seria elaborada mediante votação secreta pelo Colégio de Procuradores e remetida ao Governador do Estado.

Poucos meses antes, o Ministério Público do Rio Grande do Sul tomara o mesmo caminho. O art. 4º da Lei Estadual 7.669, de 17 de junho de 1982, estabelecia que o Procurador-Geral de Justiça seria nomeado pelo Governador do Estado, para um mandato de dois anos, dentre os membros do Ministério Público com mais de 10 (dez) anos de efetivo exercício na carreira e, no mínimo, 35 (trinta e cinco) anos de idade implementados até a data da posse, indicados em lista tríplice.  A formação da lista tríplice dar-se-ia mediante voto secreto, podendo o membro do Ministério Público em efetivo exercício votar em até três nomes habilitados.

Portanto, a relativa simetria da maneira de designação dos chefes do Ministério Público Federal e dos procuradores-gerais dos Ministérios Públicos dos Estados foi rompida em 1981. Até então essas posições eram de livre nomeação pelo presidente da República ou seus ministros (no MPF, MPDFT, MPM e MPT) e pelos governadores dos Estados em relação a seus ministérios públicos.

De fato, de acordo com o art. 128, § 1º, da Constituição vigente, o Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução. Em linhas gerais, manteve-se o sistema vigente desde 1946, com a importante ressalva de que o PGR tinha de ser escolhido dentre integrantes da carreira do MPF. A origem nesse ramo é evidente já que, nos termos do art. 43 da LC 75/1993 – como se dava ao tempo da Lei 1.341/1951 –, o PGR é um órgão do MPF.

Por motivos ligados ao desenho bifronte (MP + AGU) que incialmente se imaginava para o PGR, a Assembleia Nacional Constituinte de 1987 não deu ao MPF uma lista tríplice. Porém, o § 3º do mesmo art. 128 da CF/1988 constitucionalizou a lista tríplice para os Ministérios Públicos dos Estados e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Poderiam seus membros formar “lista tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral”. Estes órgãos de cúpula seriam nomeados pelos respectivos Chefes do Poder Executivo, para mandatos de dois anos, permitida uma recondução.

No Ministério Público do Distrito Federal, a escolha na lista tríplice e a nomeação cabem diretamente ao presidente da República, conforme o art. 156 da Lei Complementar 75/1993. Mas os procuradores-gerais dos outros dois ramos do Ministério Público da União, o MPT e o MPM, são selecionados e nomeados pelo Procurador-Geral da República, a partir das listas tríplices oficiais formadas pelas duas carreiras, conforme os arts. 88 e 121 da referida lei.

Note-se então que uma analogia endógena, no âmbito da mesma LC 75, que regula os quatro ramos do MPU, pode ser buscada como inspiração para a lista tríplice do MPF. Três ramos do MPU têm as listas, menos o MPF.


A lista tríplice para PGR

A partir de 2001, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a cada biênio, passou a promover a formação de listas tríplices com os nomes dos membros do MPF mais votados pela classe, como oferta ao presidente da República.

Desde então, onze listas foram votadas pelos procuradores da República de todo o País. Com exceção da primeira, apresentada ao presidente Fernando Henrique Cardoso em 2001 e das duas últimas (2019 e 2021), todas as demais foram honradas por diferentes presidentes, mas o Ministério Público Federal continua sendo o único dos 30 ministérios públicos brasileiros a não ter um processo oficial de seleção a partir dessas trincas. Por falta de decisão do Conselho Superior do MPF, esta lista vem sendo formada pela ANPR, o que não é o ideal, mas uma lei federal ou uma emenda constitucional devem prevê-la oficialmente.

Embora a lista tríplice para a escolha do PGR pelo presidente ainda não esteja expressamente prevista na Constituição, razões de simetria constitucional entre os ministérios públicos dos Estados e os da União justificam sua adoção. Repita-se: o MPF é o único ente que não a tem normatizada, não havendo nenhuma razão especial que justifique essa distinção.

O modelo que vem sendo replicado pelo MPF está longe de ser “sindical” ou “corporativo”, adjetivos que críticos desavisados costumam empregar para referir-se à lista tríplice. Além de sua forte tradição na história do Brasil para uma série de cargos judiciários e também para os outros 29 Ministérios Públicos brasileiros, o sistema está previsto na Constituição e nas leis justamente porque serve à democracia interna e, no campo externo, presta tributo à transparência, ao fazer com que os postulantes ao cargo submetam-se a intenso escrutínio público, antes da indicação pelos governadores ou pelo presidente da República. Ganha-se em accountability. Uma vez que os chefes dos Ministérios Públicos não são eleitos, devem ser curtidos ao sol da opinião pública, antes de ocuparem as chefias das instituições. O processo de inscrição, postulação e debates entre os candidatos a PGR serve ao interesse público.

Não fosse apenas por um necessário paralelismo entre o MPF e seus outros 29 congêneres, é de ser ver que a unidade e a autonomia instucional reclamam a adoção de sistema de escolha semelhante aos dos 26 Estados e aos três outros ramos do MPU.

Diga-se também que a lista tríplice para PGR não viola a prerrogativa presidencial de escolher um membro da carreira do MPF que atenda os requisitos constitucionais. O campo de seleção presidencial reduz-se, é verdade, mas tal limitação do âmbito de escolha não se faz em proveito de corporativismo, mas pela saudável razão de poder-se designar para a cabeça do órgão uma liderança que encarne o ethos institucional, que defenda sua autonomia e que porte os valores positivos que ao Ministério Público cumpre defender. O escolhido terá possibilidade de funcionar como o cimento e a liga que aproximam órgãos não hierárquicos, de atuação atomizada e independente.

Como ocorria desde 2003 no MPF, tais listas tríplices para PGR vinham sendo respeitadas pelos sucessivos presidentes da República. Evidentemente, os escolhidos sempre têm sido selecionados pelo presidente dentre os membros do MPF, observando-se o §1º do art. 128 da CF. No cenário entre 2003 e 2017 era seguro dizer, portanto, que já se havia constituído um costume constitucional para sua observância, costume este que resultava da reiteração do comportamento dos órgãos de soberania competentes, isto é, a presidência da República e o Senado Federal.

Vale conferir a explicação do procurador Emanuel Melo Ferreira sobre a natureza desta fonte do direito (in O costume constitucional e a eleição para Procurador Geral). Para completar, lembremos a lição do professor Jorge Miranda, no seu Manual de Direito Constitucional: “as normas criadas por costume constitucional tornam-se normas formalmente constitucionais pela sua específica referência às normas da Constituição formal”.

Não fosse por isso, ainda devo dizer que a escolha do PGR em lista tríplice é uma homenagem à autonomia da instituição e uma garantia, para os cidadãos, de que ali estará uma autoridade independente e somente sujeita à Constituição, como devem ser também os ministros da Suprema Corte. Os Procuradores Gerais não são homens ou mulheres de governo. Se o fossem seriam ministros de Estado. Tampouco podem ser líderes da oposição. Se o fossem, violariam o seu mandato e sua imparcialidade.

Assim, seja pelas razões ligadas ao regime constitucional vigente e ao costume que se desenvolveu no século XXI, seja pelos motivos históricos que levaram o legislador federal a permitir este sistema em 1981 e a adotá-lo constitucionalmente em 1988, o modelo de listas tríplices acompanha a trajetória institucional do Ministério Público brasileiro pelo menos desde 1832, sendo uma tradição nacional de mais de 180 anos que merece ser respeitada e aperfeiçoada.

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