Estamos quase lá: a nova lei de lavagem


Técnica primitiva de “lavagem” de dinheiro

Estamos quase lá. Depois de um enorme esforço da ENCCLA em várias frentes e de um sem número de parlamentares, o Senado aprovou em 5/jun o substitutivo da Câmara dos Deputados ao PLS 209/2003 que trata da nova lei de lavagem de dinheiro. Em outubro de 2011, o projeto – que ali tramitou sob o número PL 3.443-A/2008 – passou na Câmara, que operou como casa revisora.

Com o retorno do texto ao Senado e sua votação no plenário, as alterações promovidas pelo Parlamento à Lei 9.613/98 seguem para sanção ou veto presidencial. Veja aqui o relatório final da CCJ do Senado. E aqui o substitutivo aprovado pela Câmara dos Deputados e votado no Senado em 5/jun.

Há alguns pontos positivos e outros negativos na versão que vai a sanção (esta). Já tratei disso no blog e agora aprofundo um pouco mais. O texto inicialmente acolhido pelo Senado era muito superior ao que foi revisado pela Câmara dos Deputados ano passado. O senador Eduardo Braga bem que tentou (relatório aqui) retomar alguns pontos que constavam do projeto original, entre eles a possibilidade de acesso direto da Polícia e do Ministério Público a dados cadastrais de investigados. Isto ele conseguiu.

O resultado final da nova norma poderia ser melhor, mas, ainda assim, a evolução é inegável. Teremos uma lei de lavagem de dinheiro de terceira geração, devido ao rol aberto de delitos antecedentes. A reforma substancial do texto incorporará modificações de direito penal, de direito processual penal e em matéria de prevenção, compliance e fiscalização. Se o projeto for sancionado, as alterações à Lei 9.613/98 passam a valer imediatamente, a partir da sua publicação no Diário Oficial da União, uma vez que o Congresso não fixou qualquer vacatio legis.

A supressão do rol de crimes antecedentes permitirá ao Ministério Público denunciar por lavagem de dinheiro o autor de qualquer “infração penal produtora de ativos ilícitos” que os dissimule ou os oculte. Como não há mais uma lista fechada, poderá haver lavagem sempre que bens, direitos ou valores provenientes de uma infração penal (crime ou contravenção) forem reciclados e integrados à economia formal ou ao patrimônio do suspeito, ainda que por interposta pessoa. Tal quadro tornará inútil, doravante, discussões semelhantes à travada no HC 96007/SP, da relatoria do ministro Marco Aurélio, no STF, em que se debate se é possível ou não imputar o crime de lavagem de dinheiro a alguém quando o crime antecedente não estiver no rol, mas este delito for cometido por intermédio de organização criminosa (art. 1º, inciso VII, da Lei 9.613/98). Como não haverá mais rol, a polêmica perde sentido daqui em diante. Obviamente, para os fatos ocorridos antes da entrada em vigor da alteração legislativa, o tema ainda será relevante, pois a norma penal incriminadora não retroage para prejudicar o réu.

Eis um apanhado das novidades que serão introduzidas na Lei 9.613/98,  se o projeto aprovado pelo Congresso não for vetado pela presidente Dilma Rousseff. É grande a expectativa de que a lei seja sancionada. Contudo, há dois artigos “vetáveis”: o §2º do artigo 2º (que permite o julgamento do réu a revelia) e o artigo 17-D (que prevê o afastamento automático de servidor público indiciado por lavagem). Estes dois itens são inconstitucionais. Explico melhor aí embaixo, na parte “ruim” do projeto. Antes, o que vem para bem:

PONTOS POSITIVOS DO PROJETO

1) elimina o rol de crimes antecedentes (artigo 1º). Agora qualquer infração penal “produtora de ativos” pode compor o binômio típico necessário à concretização do delito de lavagem de dinheiro.

2) permite a indisponibilidade do produto ou proveito do crime de lavagem e do delito antecedente, assim como dos seus instrumentos, mesmo lícitos, estejam em nome do acusado ou de interpostas pessoas (art. 4º);

3) possibilita a constrição de patrimônio lícito do réu para a reparação do dano e/ou para o pagamento de despesas processuais, das multas penais e da pena alternativa de prestação pecuniária referentes ao crime de lavagem de dinheiro ou ao delito antecedente (art. 4º, §2º e §4º);

4) exige o comparecimento pessoal do acusado ou da interposta pessoa em cujo nome esteja o patrimônio reciclado como condição para a restituição de bens bloqueados (art. 4º, §3º);

5) disciplina minuciosamente a alienação antecipada de bens, com procedimento detalhado (arts. 4º, §1º e 4º-A, §§1º a 13), salvo para os casos de tráfico de drogas, quando permanece o regramento da Lei 11.343/2006 (lex specialis);

6) prevê a ação controlada para sustação da execução de mandado de prisão ou de decreto de indisponibilidade de bens (artigo 4º-B);

7) permite a realização de delação premiada a qualquer tempo, mesmo após a sentença penal condenatória, inclusive na fase da execução penal provisória (art. 1º, §5º). Uma interpretação mais benéfica para o sentenciado poderia admiti-la quando transitada em julgado a condenação.

8) revoga a regra da lei em vigor (art. 3º da Lei 9.613/98) que proíbe a fixação da fiança e a concessão de liberdade provisória (artigo 4º do projeto) ao investigado ou suspeito. Com isto, passa a valer também para a lavagem de dinheiro a regra geral do artigo 319 e seguintes do CPP, em relação à fiança, o que é positivo, porque permite constranger ativos que poderão ser usados para reparar o dano e servir para o pagamento de despesas processuais e da multa penal, ao mesmo tempo em que “descapitaliza” ou sufoca economicamente o lavador de capitais;

9) confere ao juiz da ação penal pelo crime de lavagem de dinheiro competência para decidir sobre a conveniência da unidade do processo e julgamento deste feito com o processo penal referente ao delito antecedente (art. 2º, inciso II, fim), se simultâneos. Institui um juízo “universal” para o qual serão atraídas as ações penais propostas para a apuração do delito antecedente.

10) permite o perdimento dos bens, direitos e valores relacionados ao crime de lavagem (inclusive seus instrumentos lícitos e valores da fiança), em prol dos Estados e do Distrito Federal, nos crimes de suas competências, e mantém essa possibilidade em favor da União (artigo 7º, inciso I e §2º, c/c o art. 4º-A, §5º, inciso I, e com o §10);

11) possibilita o perdimento criminal de bens não reclamados em até 90 dias após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 4º-A, §10 e §11, inciso III), mudando, para estes crimes, a disciplina do artigo 123 do CPP;

12) prevê recurso com efeito apenas devolutivo no procedimento de alienação antecipada de bens (art. 4º-A, §9º);

13) determina a destinação dos ativos confiscados aos órgãos de prevenção à lavagem de dinheiro, persecução criminal e julgamento da União, dos Estados e do DF (artigo 7º, §1º);

14) permite que bens apreendidos (não alienados antecipadamente nem restituídos ou os que forem adjudicados) sejam entregues para uso dos órgãos de persecução criminal (art. 4º-A, §12);

15) determina que, na falta de tratado ou convenção, os bens, direitos e valores privados sujeitos a medidas assecuratórias, ou os recursos provenientes de sua alienação, sejam partilhados entre o Estado requerente e o Brasil, na proporção de metade (artigo 8º, §2º). Obviamente, para os recursos públicos deve prevalecer a regra da repatriação integral, como se vê na Convenção de Mérida, com abatimento apenas das despesas processuais;

16) inclui seis novos incisos no artigo 9º e amplia a lista de sujeitos (inclusive agora as pessoas físicas) obrigados à observância de regras de compliance em suas atividades econômicas em linha com a política de twin-track fight adotada em todo o mundo (artigo 9º e parágrafo único). Nesta lista, ingressam agora contadores e advogados, quando atuem como consultores;

17) impõe aos sujeitos obrigados o dever de estruturar adequadamente seus órgãos internos de compliance (artigo 10, inciso III) e de manter seu próprio cadastro atualizado perante o órgão fiscalizador ou regulador (inciso IV), ou o COAF;

18) as requisições de informações expedidas pelo COAF passam a dispensar intermediação judicial, estando seus destinatários obrigados a manter o sigilo quanto às comunicações (art. 10, V);

19) cria o dever de comunicação negativa, ou seja, o sujeito obrigado deverá informar a não ocorrência de operações suspeitas aos órgãos reguladores ou ao COAF (art. 11, III);

20) agrava as sanções administrativas aplicáveis pelo COAF e pelos órgãos reguladores, especialmente a multa, que poderá chegar a 20 milhões de reais, muito superior ao teto anterior de 200 mil reais (artigo 12, inciso II);

21) possibilita a suspensão da autorização de funcionamento da entidade que violar os deveres de compliance (não apenas a cassação da licença, como hoje) (art. 12, inciso IV);

22) impõe ao COAF o dever de compartilhar as informações recebidas dos agentes de mercado com os órgãos reguladores do sistema de prevenção (art. 11, §3º);

23) prevê a responsabilidade administrativa por culpa (e não apenas por negligência) (art. 12, §2º), com novas hipóteses de imposição de multa (incisos II e III);

24) amplia a composição do COAF com a inclusão de representantes do Ministério da Justiça e do Ministério da Previdência Social (artigo 16);

25) dá ao Banco Central competência para estabelecer limites, prazos e condições para as comunicações prévias a bancos quanto ao interesse em realizar transferências internacionais em reais e saques em espécie (art. 11-A);

26) dá ao Ministério Público e à Polícia a atribuição para a requisição direta, sem intermediação judicial, de dados cadastrais do investigado mantidos em bases da Justiça Eleitoral, das companhias telefônicas, das instituições financeiras, dos provedores de internet e das administradoras de cartões de crédito (art. 17-B). Estes dados não devassam a intimidade do cidadão (art. 5º, X, da CF), razão pela qual não há necessidade de prévia decisão judicial para sua obtenção. Embora colocado na Lei de Lavagem de Dinheiro, este dispositivo terá repercussão sobre todo o sistema de investigação criminal, pois poderá ser invocado para a apuração de qualquer delito. O legislador não limitou seu escopo à lavagem de ativos e nem teria razão para fazê-lo.

27) determina ao Fisco e às instituições financeiras que as informações destinadas ao Judiciário e aos órgãos de investigação sejam enviadas em formato eletrônico, conforme modelos pré-estabelecidos, a exemplo do protocolo SIMBA (art. 17-C). Na prática é o que já acontece hoje com os dados bancários, a partir do modelo técnico de transmissão de informações construído pela ASSPA/PGR e adotado pelo CNJ (Instrução Normativa 03/2010 da Corregedoria Nacional) e pelo Banco Central (Carta Circular 3454/2010);

28) estabelece prazo de guarda de dados fiscais por, no mínimo, cinco anos, a contar do início do exercício seguinte ao da declaração de renda ou do exercício seguinte ao do pagamento do tributo (artigo 17-E).

Vê-se, portanto, que o projeto é pródigo em aspectos positivos. Por isto, é louvável e digno de elogios o trabalho desenvolvido pelo Congresso Nacional e pelo Poder Executivo, assim como por outros poderes e instituições nacionais no âmbito da ENCCLA, sempre tendo em mira a prevenção do crime, a sanidade do sistema financeiro e da ordem econômica, a segurança do Estado e da sociedade e o aperfeiçoamento da persecução de crimes de tamanha relevância, pelos seus impactos sociais e repercussões às vezes transnacionais.

Mas nem tudo é perfeito. Examinemos agora o que não deveria estar ali, ou o que poderia ter ficado, mas foi rejeitado durante a tramitação congressual:

PONTOS NEGATIVOS

  1. Disciplina tímida da delação premiada (art. 1º, §5º): pouco muda o instituto atual, que carece de elucidação normativa do procedimento a ser adotado pelas partes para a implantação da colaboração, mediante os acordos formais (clausulados) que vem sendo amplamente utilizados no Brasil desde que o MPF passou a veiculá-los em 2003 perante a 2ª Vara Federal de Curitiba e que hoje são reconhecidos pela doutrina e pelo direito pretoriano (TRF-4, 7ª Turma, Correição Parcial 2009.04.00.035046-4/PR, rel. des. federal Néfi Cordeiro, j. em 03/set/2009).

  2. Caiu o artigo que tipificava o crime de financiamento ao terrorismo (art. 1º-A). Esta era uma exigência do GAFI e um desejo da ENCCLA. Não resistiu à oposição do Poder Executivo, que via na redação a possibilidade – muitíssimo remota – de criminalização de certos movimentos sociais como entes “terroristas”. Porém, a proposta, com adições e modificações, foi incorporada ao texto do futuro Código Penal cujo anteprojeto é objeto do trabalho da comissão especial de juristas reunidos pelo Senado.

  3. Impede a aplicação do art. 366 do CPP e cria a possibilidade de julgamento a revelia no processo penal (art. 2º, §2º). O artigo 366 do CPP é uma norma equilibrada, verdadeiramente garantista, pois considera os interesses do acusado (não ser processado à revelia) e da sociedade (suspende o curso do prazo prescricional). O artigo proposto pelo projeto é um passo atrás e seguramente, se aprovado, será declarado inconstitucional pelo STF, por ofensa ao contraditório e à ampla defesa. Ademais, qual seria a razão para a existência de tal regra exclusivamente para os crimes de lavagem de dinheiro? A quebra da isonomia em relação a outros crimes igualmente graves é evidente. Pior ainda é perceber que o artigo em questão não esclarece se os crimes antecedentes (aos quais se aplica o artigo 366 do CPP) seguirão a nova regra, quando houver lavagem de dinheiro correlata, ou se ficarão sobrestados enquanto tramita apenas a acusação por lavagem de capitais.

  4. Autoriza o afastamento cautelar de funcionários públicos “indiciados” (art.17-D), mantendo sua remuneração. Esta redação é equivocada, pois admite o afastamento automático do investigado (ainda nem é réu), pelo só fato do “indiciamento” do servidor suspeito de lavagem de dinheiro. Este dispositivo não tem como ser mantido, senão mediante interpretação conforme. A pessoa indiciada não será necessariamente denunciada pelo Ministério Público e, ainda que o seja, o juiz poderá nem receber a denúncia. Ademais, pessoas não indiciadas podem ser processadas criminalmente pelo Ministério Público. Não há como considerar possível, portanto, o afastamento de servidor vinculado ao despacho de indiciamento, que é um ato policial sem estatura processual nem qualquer consequência para a ação penal ou para o próprio suspeito, salvo o abalo moral e a exposição prematura do suspeito à imprensa com um rótulo. Por outro lado, não há como conferir natureza cautelar ao afastamento decorrente do indiciamento, porque não há contraditório na fase inquisitorial. Além disso, o ato poderá ser praticado sem a previsão do exame dos requisitos de fumus boni iuris e periculum in mora, proporcionalidade, necessidade e adequação. Ademais, a regra representa transferência indevida de função jurisdicional para a autoridade policial e inverte a lógica das medidas cautelares. O afastamento só cessa mediante decisão fundamentada do juiz. Mas o dispositivo não exige tal motivação para a suspensão da atividade do servidor, o que viola o devido processo legal e o art. 93, IX, da Constituição. Ainda se deve ter em conta que o art. 319, inciso VI do CPP tem disciplina própria e geral sobre medidas cautelares pessoais. Assim, o art. 17-D torna-se desnecessário diante da previsão legal, vigente desde 2011, que permite ao juiz suspender o funcionário do exercício de função pública quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais. De igual modo, no âmbito dos crimes funcionais de prefeitos, o art. 2º, inciso II, do Decreto-lei 201/67, determina que, “Ao receber a denúncia, o Juiz manifestar-se-á, obrigatória e motivadamente, sobre a prisão preventiva do acusado, nos casos dos itens I e II do artigo anterior, e sobre o seu afastamento do exercício do cargo durante a instrução criminal, em todos os casos”. Por fim, pode-se apontar que o art. 20, parágrafo único, da Lei 8.429/92 autoriza o afastamento do agente envolvido em atos de improbidade administrativa, sejam eles crimes ou não, mas sempre por decisão fundamentada da autoridade judicial ou da autoridade administrativa competente, isto é, aquela com poder hierárquico sobre o agente ímprobo, restringindo tal afastamento à necessidade da instrução processual. Por tais razões, este artigo deve ser vetado pela presidente Dilma Rousseff. Se não o for, seguramente será declarado inconstitucional pelo STF, por ofensa ao contraditório, à ampla defesa, ao monopólio da jurisdição (artigo 5º, XXXV, da CF) e à presunção de inocência.

  5. O projeto nada diz sobre a participação do Ministério Público Federal no COAF. Se não integrar o Conselho como membro efetivo, ao menos o Parquet federal deveria ser observador com direito a voz, tal como ocorre no CADE, em função do que dispõe o artigo 6º, §1º, da Lei Complementar 75/93: “Será assegurada a participação do Ministério Público da União, como instituição observadora, na forma e nas condições estabelecidas em ato do Procurador-Geral da República, em qualquer órgão da administração pública direta, indireta ou fundacional da União, que tenha atribuições correlatas às funções da Instituição.”;

  6. O projeto silencia sobre a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas, obrigação que está nas Convenções de Palermo (art. 10) e Mérida (artigo 26) e nas Recomendações 3 e 35 do GAFI. No Brasil, por força da Lei 9.605/98 pessoas jurídicas podem responder criminalmente por delitos ambientais. Porém, o art. 173, §5º, da Constituição permite que se adote o mesmo modelo para a responsabilização de pessoas jurídicas por crimes contra a ordem econômico-financeira e a economia popular.

  7. Suprimiu-se o crime de estruturação de operações financeiras para fins de lavagem, que estava prevista numa das versões anteriores do projeto. Esta tipologia de lavagem de dinheiro (“estruturação”) é muito comum e pode ser camuflada sob práticas de blindagem patrimonial, ou se manifestar por meio de fracionamento de transações financeiras, para escapar aos avisos de risco (red flags).

  8. Não previu um tipo autônomo para o crime de não comunicação de operação suspeita pelos entes obrigados. Hoje, a não comunicação dolosa pode ser punida com base no art. 13, §2º, do CP, pela teoria da relevância causal da omissão, imputável ao agente de compliance que descumprir o dever legal de comunicação resultante da Lei 9.613/98, pois ele atua como garante. Isto pode levar a penas muito altas para tais funcionários. Porém, a punição das omissões culposas fica restrita à esfera administrativa, o que é insuficiente para a tutela do sistema de prevenção. O ideal seria a criação de um tipo autônomo, o que não foi feito pelo legislador. Nada disso porém afasta a possibilidade de invocação da teoria da cegueira deliberada (willful blindness) que caracteriza a conduta dolosa de muitos agentes das pessoas jurídicas obrigadas pelas regras de compliance.

Mesmo merecedor de críticas (o artigo 17-D, por exemplo, é uma excrescência e merece veto), o projeto é um grande avanço para o Brasil na luta contra a lavagem de dinheiro, o crime organizado, a corrupção e outros crimes graves.

13 comentários

  1. Boa tarde, se possível gostaria de sanar minha duvida quanto a exploração de maquinas caça-niqueis.
    Se uma pessoa explorar unicamente maquinas caça-niqueis, sem envolvimento com qualquer outro tipo de crime ou contravenção, não lavando o dinheiro proveniente dessa contravenção, será enquadrada como contraventora penal ou como criminosa?
    Certo de sua colaboração, agradeço desde já.

    Curtir

  2. Só uma última observação. Realmente o art. 17-D padece de inconstitucionalidade flagrante. Qualquer ato administrativo (como é o “despacho” de indiciamento) que atinja direitos de terceiros só é válido se respeitados o contraditório e a ampla defesa, observado o devido processo legal (art. 5o, LIV). Discordo quanto ao art. 17-B, que para mim também é inconstitucional, pois invade, de fato, a intimidade do cidadão, violando-se o disposto no art. 5o, X, da CF. De acordo com o STF, tais medidas dependem de autorização judicial, isto é, tais informações não podem ser requisitadas diretamente pelas autoridades administrativas, salvo CPI (RE 261.278, j. 1.4.2008, MS 22934, j. 17.4.2012, RE 461.366, j. 3.8.2007).

    Curtir

  3. Professor, aparentemente a lei foi sancionada sem qualquer veto: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12683.htm. Fora isso, vejo também como ponto negativo a manutenção da pena mínima em 3 anos, permitindo a substituição do art. 44 do CP. Considerando que as grandes organizações criminosas não costumam deixar rastros, sendo seus operadores muitas vezes tecnicamente primários, não seria um contrasenso aprimorar as técnicas de persecução penal sem alterar a reprimenda, deixando solto o agente que pratica o crime de lavagem?

    Curtir

  4. Professor, tenho duas dúvidas:
    1) a lei poderá incriminar uma lavagem de dinheiro realizada em dezembro de 2012, relativos a crime de sonegação fiscal perpetrado em janeiro de 2010, por exemplo?
    2) considerando que se considera em geral a lavagem de dinheiro como crime permanente, a nova lei se aplica aos crimes que permanecem se consumando, como no caso do verbo “ocultar”?

    Curtir

    • 1) Se a ocultação ou a dissimulação do artigo 1º ocorreram depois da entrada em vigor da lei penal nova, esta poderá ser aplicada. Lembre-se que a lavagem de dinheiro e o crime antecedente têm autonomia típica. O raciocínio é semelhante ao usado na receptação em relação ao seu “delito antecedente”.
      2) sua pergunta já contém a resposta. Se o crime de lavagem de dinheiro é permanente na forma “ocultar”, quando a nova lei entrar em vigor esta conduta pretérita será “colhida” pelo tipo reformado dali para frente. É como se um adolescente infrator seqüestrasse alguém aos 17 anos e 11 meses. Se a extorsão mediante sequestro durar dois meses, o menor terá alcançado a maioridade penal e, portanto, ao completar 18 anos, no curso do sequestro, tê-lo-á cometido como imputável a partir daquele dia.

      Curtir

  5. Tenho duas dúvidas:

    1) A nova lei se aplicará à lavagem feita após sua promulgação, mas de crimes antecedentes anteriores à lei? Por exemplo, crime de sonegação fiscal de 2010, cujo dinheiro é lavado no final de 2012? Salvo engano lavagem de dinheiro, em geral, é crime permanente.

    Será que o recente julgamento da ADIn sobre a vara especializada em crimes praticados por organizações criminosas, instalada em Alagoas, trouxe algum entendimento novo sobre o conceito de organização criminosa no STF?

    Curtir

    • Aquela ADI e o HC 96007 fulminaram a tese (que era a que eu defendia) de que o “conceito de organização criminosa” difere do “crime de associação em organização criminosa” e que era possível usar o conceito de Palermo (artigo 2º do Tratado) para completar a norma em branco prevista no inciso VII do artigo 1º da Lei de Lavagem de Dinheiro. Continuo sustentando a tese doutrinariamente, porque não foi discutido pelas partes nesses dois feitos. Ademais, com a nova lei de lavagem de dinheiro (se a presidente Dilma sancioná-la), o tema deixa de ter relevância dali em diante. Para trás, a discussão continua valendo.

      Curtir

  6. Caro Professor: Como você bem disse, é uma “evolução inegável”.
    Mas pergunto: Essa lei, depois de sancionada, poderá retroagir para punir casos já em andamento, como Maluf e tantos outros políticos que estão sob investigação a algum tempo sem os resultados concretos que gostaríamos de ver?

    Curtir

    • Hernandes, a lei penal mais gravosa (lex gravior) não pode retroagir para prejudicar o réu. Logo, esta lei só terá efeito a partir do dia de sua sanção. Daqui para a frente, portanto.

      Curtir

Deixe um comentário