A clava (forte?) da Justiça


Esta semana foi difícil para quem trabalha na Justiça criminal. Primeiro, o sr. Antônio Palocci livrou-se de uma investigação por suspeita de enriquecimento ilícito, quando o Procurador-Geral da República arquivou a notícia-crime apresentada contra ele por parlamentares.

Depois a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de 3 x 2, considerou ilegais as provas obtidas na Operação Sathiagraha, o que beneficia o empresário Daniel Dantas. Votaram pela validade das provas, os ministros Gilson Dipp e Laurita Vaz, que nada viram de ilegal na participação da ABIN na investigação conduzida pela Polícia Federal. Para os demais, isto viciou todo o caso.

Enquanto isto, a Justiça do Rio de Janeiro manteve a prisão de mais de 400 bombeiros militares que protestavam por melhores condições de trabalho.

Também ontem, 08/jun, foi a vez do Supremo Tribunal Federal dar a sua contribuição para o moral da tropa: por 6 votos a 3, mandou soltar Cesare Battisti, homicida sentenciado a prisão perpétua por tribunais italianos e cuja condenação foi considerada legítima pela Corte Europeia de Direitos Humanos. Falei sobre isto aqui (“Lula e o Dia do Fico”). Agora, a Itália ameaça processar o Brasil perante a Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, na Holanda, por violação do tratado bilateral de extradição entre os dois países (Decreto 863/93). Porém, neste caso me parece que a jurisdição da CIJ é facultativa. O processo só terá curso se o Brasil aceitar submeter-se à Corte.

Um homem condenado por crimes terríveis estará livre no Brasil. E as famílias das vítimas tiveram suas feridas reabertas pela denegação da Justiça que já lhes havia sido concedida por tribunais de Roma, Paris e Estrasburgo. Sempre dizem que o Brasil não é um país sério. Pelo menos neste assunto, já nos conformamos em ser uma colônia (de férias) penal. Não somos um paraíso fiscal, mas somos o lugar onde bandidos de todo o mundo vêm passar umas férias. Battisti é só mais um, pois a lista é extensa. Foi assim com o nazista Josef Mengele, foi assim com o assaltante Ronald Biggs, foi assim com o homicida Jesse James Hollywood, foi assim com o traficante Juan Carlos Ramirez-Abadía; foi assim com o mafioso Tommaso Buscetta e com o ditador Alfredo Stroessner. Só gente boa no clube. Fico imaginando o que aconteceria se Osama bin Laden viesse esconder-se no Brasil (leia aqui).

O caso Battisti é uma triste página na história da cooperação penal internacional. O voto do ministro Luiz Fux, calouro da Corte, foi um dos piores momentos. Disse ele:

Cabe destacar que o que está em jogo não é nem o futuro, nem o passado de um homem. O que está em jogo aqui é a soberania nacional, uma soberania enxovalhada”, disse Luiz Fux. “Não consigo receber com candura afirmações como ‘não me parece que o Brasil seja conhecido por seus juristas, mas sim por suas dançarinas’.”, afirmou o ministro, se referindo a expressões usadas por autoridades italianas em relação ao Brasil. (Fonte: Rodrigo Haidar, revista Consultor Jurídico)

Em outras palavras, o Brasil deu fuga a um criminoso em nome da “soberania”. Com a elegância de sempre, a ministra Ellen Gracie pôs as coisas nos seus devidos termos: soberania o Brasil exerceu quando firmou o tratado com a Itália e se vinculou à regra “pacta sunt servanda“. Os tratados, como as leis, devem ser cumpridos.

Extraditar Cesare Battisti não era questão de mera cortesia internacional (comitas gentium) ou boa vizinhança, mas o cumprimento do dever internacional de cooperação. Na Constituição de 1988, o Brasil se comprometeu a repudiar o terrorismo, a velar pelos direitos humanos e auxiliar a persecução penal de Estados com os quais firmou tratados. Com que direito agora reclamaremos a extradição de um réu qualquer que fuja do Brasil para o exterior?

Infelizmente, parece que a culpa não é do ex-presidente Lula, que se negou a entregar Battisti no ano passado, num ato político que destoa do regime jurídico da extradição. A culpa é do próprio STF, que, em lugar de estabelecer sua autoridade para “determinar” a extradição, preferiu seguir posicionamento ultrapassado, pelo qual se limita a “autorizá-la”, deixando a decisão final de entrega à presidência da República.

Extradição não é tema de política internacional. É questão de direito processual penal, que se insere no dever internacional de cooperar contra o crime, partilhado pelas “nações civilizadas”, especialmente quando há tratado (lei) em vigor. O voto do relator Gilmar Mendes, uma verdadeira aula, merece ser lido. Neste caso, ele acertou em cheio (veja aqui), e teve a companhia de Ellen Gracie e Cezar Peluso.

A esta hora, Battisti já está em liberdade. Porém, corre contra ele uma ação penal na 2ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro por uso de documento falso, pois ingressou no Brasil com passaporte com o nome falso de “Michel José Manuel Gutierrez”. Se for definitivamente condenado, ainda poderemos nos livrar dele. Sempre que um estrangeiro é sentenciado por crime praticado no Brasil, pode ser expulso do território nacional, na forma do art. 65, parágrafo único, da Lei 6.815/80, especialmente quando praticar fraude a fim de obter a sua entrada ou permanência no Brasil. Esta decisão cabe ao Ministério da Justiça. Alguém acredita na sua expulsão? Só quem ainda crê em Papai Noel. Ainda por cima, o art. 75, inciso I, da Lei 6.815/80 proibe a expulsão se implicar extradição inadmitida pela lei brasileira.

Aos familiares das quatro vítimas italianas, devemos solidadariedade. Devemos mais. Devemos desculpas. Embora muita gente critique o nosso hino, ali há um verso de que gosto muito: “Mas, se ergues da Justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à luta; nem teme, quem te adora, a própria morte, terra adorada“. Às vezes, como nesta semana, vem um desânimo…

19 comentários

    • Prezada Ivana,
      Conferi o artigo do link que vc enviou. Na verdade, ali não há uma análise do caso Battisti. As decisões de Gilmar Mendes no caso Abdelmassih e sobre a Lei de Anistia são lamentáveis. Nisso concordamos. Mas, ao votar pela extradição de Battisti, ele decidiu de acordo com o direito internacional. Neste caso, ele julgou bem. Leia o voto. Abraço e obrigado pela visita.

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    • Prezado Luiz,
      Em nenhum processo judicial há certeza absoluta. Cito dois polêmicos: caso O.J. Simpson nos EUA e caso do goleiro Bruno no Brasil. Tribunais em Roma e Estrasburgo entenderam que Battisti matou quatro “alguéns”. Em extradição, não se discute se fulano matou beltrano, ou se a condenação foi justa ou injusta. Os tribunais italianos o condenaram e a Corte Europeia de Direitos Humanos afirmou que houve respeito ao devido processo legal. O próprio STF confirmou a viabilidade da extradição. O que pesou neste caso foi a visão política do ex-ministro Tarso Genro e a decisão também política do ex-presidente Lula. Cooperação penal internacional não é local para isto. Se a condenação de Battisti pode ou não pode ser modificada, é a Justiça italiana quem deve decidir.Abs.
      Abs.

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  1. Ainda que o contexto e o cenário tenham favorecido a desaceleração da Justiça quanto aos fatos e julgamento , envolvendo Battisti, Daniel e Palocci , este blog consegue promover a formação de uma consciência político-jurídica que foge ao modelo já cristalizado pela ideologia dominante.
    Provocando no leitor reações de indignação, diante da realidade comentada. É importante que a sociedade seja alimentada de ideias que possam evidenciar contrapontos. Haja vista vivermos numa suposta democracia , na qual podemos expressar o que pensamos e nem todos sabem que podem utilizar de tão poderosa ferramenta.

    Congratulações pela criação deste blog.

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    • Ainda é muito ruim. Mas vai melhorando aos poucos. Veja o post “Dois é bom, três é demais”. Abs.

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  2. Ricardo,
    a única coisa que se pode condenar o Protógenes na operação Satiagraha é por exibicionismo. Quanto ao resto, a operação foi impecável, apurando devidamente as autorias e materialidades delitivas. Se você concorda em que não houve nada de errado na participação da ABIN então não havia motivos para anular a operação. Lógico que o trabalho não foi só dele, havia outros delegados, vários agentes e peritos, bem como gente do MPF e do Judiciário, que contribuíram para o sucesso da operação (no sentido de ter sido apurado o que ocorreu), mas o Protógenes foi que mais sofreu as consequências de ter mexido com uma das pessoas mais poderosas do Brasil. A operação Satiagraha tentou ser sabotada diversas vezes, dentro da própria Polícia Federal, por pessoas ligadas a interesses diversos. O atual diretor geral da Polícia Federal é uma delas.
    Sobre a legalidade da participação da ABIN, as Leis 9.883 e 9.034 dispõe a respeito, além disso basta ler o voto do Min. Gilson Dipp, impecável. Além disso, a macrocriminalidade envolvida no caso é uma série ameaça a Democracia e ao Estado de Direito, o que justifica a atuação de um órgão de inteligência de Estado.
    O juiz Fausto de Sanctis também não desobedeceu ao STF e não cometeu nenhum ato irregular com a decretação da prisão preventiva posteriormente, o segundo pedido de prisão se baseou em um contexto fático totalmente diverso do primeiro (o suborno ao Delegado Victor Hugo por seus prepostos). O único ali que cometeu ilegalidades foi o Gilmar Mendes, que apreciou dois habeas corpus os quais não tinha competência nenhuma para apreciar. Quem deveria responder por algo era ele, que cometeu crime de responsabilidade por se exacerbar de suas funções e jamais deveria ter ocupado aquela cadeira novamente.
    O juiz Fausto de Sanctis, por sua vez, é uma das pessoas mais competentes no Brasil quando o assunto é crime organizado e lavagem de dinheiro, é de gente como ele que o STF precisa.
    Sobre o Dr. Macabu, o seu filho, Adilson Macabu Filho, trabalha no escritório de Sérgio Bermudes, responsável pela defesa de Daniel Dantas. Não foi nada que eu inventei da minha cabeça isso, basta conferir, havia um conflito de interesses ali e o Dr. Macabu não poderia ter participado do julgamento.
    Se você prefere admirar o STF, tudo bem, cada um tem seus valores, há pessoas no STF que eu também admiro, mas infelizmente é minoria (o Marco Aurélio não é um deles, a quem considero um dos piores ministros do STF). Eu prefiro admirar o Fausto de Sanctis, que para mim contribuiu muito mais para o engrandecimento da Justiça brasileira, pelo menos do ponto de vista criminal.
    Por fim, quanto à atuação do Dr. Gurgel a frente da PGR eu acho sim lamentável, posso até estar enganado, mas me parece que ele não recorreu da anulação da Castelo de Areia, e no caso Palocci ele também não teve uma atuação muito condizente. Totalmente diferente teria sido a atuação do ex-PGR Antônio Fernando de Souza.

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  3. Quero entender sobre a competência do STF em julgar a extradição, naquela vez em que o Presidente da República negou-a , ou seja, até aonde vai a independência do Poder Judiciário? Por que parece que as decisões do Supremo nesse sentido estão limitadas aos atos do Executivo? Cabe ao MPF ajuizar algum recurso sobre o caso em tela?

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    • O procedimento extradicional tem três fases. É administrativo-judicial-administrativo. São duas teorias, Zamis.
      1) o Executivo recebe o pedido do governo estrangeiro e o envia ao STF. Este autoriza ou não a extradição. O Executivo entrega ou não o procurado
      2) o Executivo recebe o pedido do exterior e o remete ao STF. Este determina a extradição. O Executivo entrega o procurado ou deixa de fazê-lo com base no tratado.
      O STF acolheu a primeira opção.

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  4. Se a ABIN não pode trabalhar junto com a Polícia Federal na operação Satiagraha, vamos anular todas as investigações de crimes contra a ordem tributária feitas em conjunto pela Receita Federal e pela Polícia Federal, muita diferença não ia fazer, já que esses crimes praticamente não são mesmo punidos pela nossa legislação. Mas vamos anular também as investigações de crimes ambientais feitas pelo IBAMA em conjunto com a Polícia Federal. Já que a nossa jurisprudência acabou por firmar entendimento de que não pode haver troca de informações entre os diversos órgãos estatais. Lembro que quando estagiário no MPF achava bizarro ter que pedir autorização judicial para obter informações junto à Receita Federal, ao invés de já haver a troca direta de informações entre esses órgãos. Enfim, rico nunca foi preso no Brasil, agora não pode se quer ser investigado.
    Me admira ainda mais um comentário acima achando que o STJ acertou, crendo que a decisão se baseou na lisura dos Ministros, e não que interessava ao sistema político anular a Satiagraha assim como interessava anular a Castelo de Areia. Aliás o Dr. Macabu jamais deveria ter votado nesse caso, uma vez que seu filho trabalha no escritório que defende o Daniel Dantas, corrupção podre. E ainda acha o Protógenes um bandido. Como bem disse o Paulo Lacerda, quando o Brasil aprendeu a investigar criminosos de colarinho branco, tratou de perseguir os investigadores. Isso não é direito penal do inimigo nem aqui nem na China, é direito penal do muy amigo, isso sim!
    E o caso Battisti é só mais um caso de impunidade e vexame nacional, apesar de não ter gostado da atuação do Min. Gilmar Mendes, que mais uma vez se aproveitou para fazer politicagem, diferente dos votos brilhantes de Cesar Peluso e Ellen Gracie.
    Quanto ao atual Procurador Geral, Roberto Gurgel, sinceramente espero que seja nomeado outro em seu lugar, esse merece o título de o Engavetador Geral da República II, o retorno, só perde pro Geraldo Brindeiro mesmo. Esse nem mandava arquivar, enfiava na gaveta mesmo e deixava lá.
    No mais, parabéns ao Dr. Vladimir pelo excelente post, sempre com opniões adequadas e bem fundamentadas.
    PS: Já que o Márcio sugeriu um post sobre o caso Palocci, eu gostaria de sugerir um post sobre a Lei 12.403/11. Abraço

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    • O problema, Henrique, não está em que a ABIN haja ou não haja participado da referida operação, ladeando a Polícia Federa. Aliás, o delegado Protógenes Queiroz não agira corretamente nem mesmo na dicção da cúpula do orgão policial, embora os Processos Administrativos Disciplinares contra ele instaurados tenham motivações diversas e multívocas.

      A iliceidade da participação da ABIN decorre do “modus operandi” pelo qual se promoveu a investigação, havendo-se mantido sob o manto do sigilo um verdadeiro apontoado de sandices demonstrativas de absoluto descompromisso não só com o Estado Democrático de Direito, senão também com uma exigível cultura de legalidade. Só para ser bem claro, sou um dos que profundamente admiram o STF, independentemente de posições deste ou daquele Ministro, com as quais posso ora concordar ora não concordar. Aqui e alhures, eu tenho firmado e confirmado o entendimento de que, se eu não puder acreditar na Suprema Corte do meu País, eu não crerei em mais nada.

      Lembro-me de que, no julgamento do HC impetrado por Daniel Valente Dantas, aludia o Ministro Cézar Peluso à falta de cultura de legalidade entre os agentes públicos brasileiros, dentre os fatores contributivos do excesso de judicialização do Brasil. Aliás, o eminente Ministro Cézar Peluso denominou o juiz federal Fausto Martin de Sanctis como “pretenso controlador da legalidade do processo” (palavras quejandas). Na época, nenhum dos Ministros do STF, à exceção do sempre inteligente Ministro Marco Aurélio, poupou duras críticas à nitidamente justiceira e ideológica atuação do hoje “desembargador federal”. Ademais, a entrevista deste senhor no Programa do Jô mais parecia meio de autopromoção, haja vista a maneira acaciana com que se deu o evento. isto, porém, já se adentra no campo falacioso do “argumentum ad hominem”.

      Ignoro o real motivo de o Desembargador convocado Adílson Vieira Macabu não haver podido votar no julgamento do HC impetrado pelo banqueiro. Para admitir-se o impedimento ou a suspeição, fato inexistente no caso ventilado, deve-se utilizar uma exceção processual, então refugada pelo STJ, após tentativa de provocação por parte de Protógenes Queiroz (parte notoriamente ilegítima). Devemos cuidar em não incidir em lugares-comuns tão próprios àqueles a quem falecem argumentos sólidos. Em outro fórum, eu confutei a tese conspiratória de que três Ministros da 5a. Turma do STJ estariam de algum modo comprometidos em absolver o nominado impetrante. Trata-se de uma ACUSAÇÃO GRAVÍSSIMA, cuja falência probatória há de comprometer quem argui algo parecido.

      Dr. Vladimir manteve-se integralmente homeostático no artigo, havendo apenas feito críticas lógicas e até amenas a uma situação em que ele entrevê um quadro de injustiça, o qual assim não me pareceu. Tenha-se receio de operações bombásticas, em que explodem muitos fogos de artifício, porquanto, não raro, a pólvora acaba e os sons tonitruantes desaparecem. Muita encenação, pouco talento, coisa, aliás, dos cabotinos. Não estou certo de que o referido deputado federal seja bandido, não mesmo, porém a sua atuação no “imbroglio” não se me afigurou digna da sobriedade de uma instituição tão respeitável quanto a Polícia Federal. Também não reconheço ao PGR a condição de “engavetador geral”. Aliás, ele se mostrou de uma independência ímpar nos dois casos: no de Antonio Palocci e no de Cesare Battisti. Não malsinável, pois, a sua atuação como “custos legis et constitutionis”.

      No mais, Dr. Vladimir está cônscio de que eu lhe respeito a inteligência e a perspicácia, havendo eu permanecido no estrito campo zetético-jurídico. Amplexos fraternais.

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  5. Evidentemente, Vladimir, cada um assiste à cena jurídica na perspectiva de singulares convicções. PRIMEIRO: também os advogados militam na justiça criminal e não devem ter sentido a mesma dificuldade. SEGUNDO: não se pode considerar razoável ou mesmo equânime tão somente a instauração de apuratório ou de inquérito. Se o PGR não vislumbrou elementos capazes de assim desencadear contra o novamente ex-Ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, uma investigação, por que razão, só agora, em face de um arquivamento, não prestigiar a competência do Procurador-Mor? TERCEIRO: a decisão da 5a. Turma do STJ não beneficiou Daniel Dantas, havendo posto o trem nos verdadeiros trilhos. Até agora, após uma condenação penal e anúncio de estranho patrimônio, não se adotou nenhuma providência contra o ora deputado Protógenes Queiroz. Esta semana, o CNJ considerou irregular a conduta do juiz federal Fausto Martin de Sanctis, hoje no segundo grau, mas não lhe aplicou pena disciplinar sob o argumento de que censura não se impinge a “desembargador” (?). Todos nós sabemos da máxima jurídica TEMPUS REGIT FACTUM, razão por que o só fato de se lhe haver reconhecido indisciplina implicaria anulação da promoção. Por outro lado, em um Estado Democrático de Direito, no qual o processo criminal há de ser ordinariamente público, não se podem acolher mandos e desmandos acobertados pelo sigilo de justiça, em verdadeiras atividades clandestinas ignoradas até pelos próceres do Departamento da Polícia Federal. Como explicar e justificar a insurgência de um juiz federal contra ORDENS do STF, pouco importando se ele concordava ou não com elas? No cumprimento de uma Carta de Ordem, por exemplo, pode um magistrado simplesmente não cumpri-la alegando sigilo de justiça inoponível ao tribunal competente? Tudo isto em prol do denominado Direito Penal do Inimigo, bem característico de alguns juristas brasileiros, antigarantistas, tirantes a verdadeiros ádvenas norte-americanos. Para mim, acertou o STJ, não só em favor da cultura de legalidade ainda liliputiana no Brasil (mesmo nos órgãos públicos), não só também em homenagem à histórica implantação de direitos e garantias individuais a serem reconhecidos aos “pobres” e aos “ricos”. De mais a mais, os que deram ensejo a uma série de nulidades deveriam ser responsabilizados. QUARTO: afigura-se-me justa a referência aos bombeiros, sobretudo porque se usa o regime castrense para sopitar lídimos interesses sociais e até cívicos. QUINTO: eu ovaciono o STF pela decisão de haver expedido alvará de soltura em prol de Cesare Battisti e reputo de grande monta o voto do Ministro Luiz Fux, cujo noviciado na Suprema Corte não pode significar menor habilidade em definir o senso de justiça. De mais a mais, Vladimir, afirmar ter havido VIOLAÇÃO DO TRATADO constitui apenas uma inferência de alguns, mas não de todos. A meu juízo, não se violou em nenhum momento o documento convencional, uma vez que as tais RAZÕES PONDERÁVEIS não parecem ali balizadas por elementos objetivos ou (supositícios) fatos, aos quais tanto aludiu o Ministro Cézar Peluso. Então, quais fatos seriam eles? A implantação repentina de um regime de exceção na Itália? Trata-se de “ARGUMENTUM AD ABSURDUM” para justificar entrega do italiano. De mais a mais, não me impressiona a tese de haver-se liberado um “homicida sentenciado a prisão perpétua por tribunais italianos”, sobretudo por que aí se notam um “ARGUMENTUM AD HOMINEM” e um “ARGUMENTUM AD MISERICORDIAM” ao contrário. Todos os homicidas, após cumprida a pena, são liberados e ficam soltos. Onde a novidade nisto? Ademais, não nos olvidemos de que o Chanceler da Itália insinuou não promover a comutação da pena de prisão perpétua. Por outro lado, que nos importam as ameaças da Itália? Lá, ela pode ir queixar-se diretamente ao Papa, até porque o Brasil não está compulsoriamente sujeito à jurisdição da CIJ. Então, a ser válido o argumento do Ministro Gilmar Mendes, dever-se-ia trocar Cesare Battisti por uma assento na ONU? Ficou parecendo isto. O voto do Ministro Luiz Fux pareceu-me idôneo, correto, sensato, porque realmente não se tratava ali de nenhum julgamento de Cesare Battisti, mas do ato presidencial de não extraditá-lo. Ademais, Vladimir, poderia o STF ter “ex officio” anulado o ato do Presidente da República, como intentou o Ministro Gilmar Mendes? Se, dessa vez, ele parece ter acertado nos termos do artigo, ele, a meu ver, parece ter-se equivocado ou não perfilhado o melhor entendimento. Ele acertou “em cheio” no voto contra a Lei da Ficha Limpa. De mais a mais, o Brasil poderá reclamar a repatriação de um nacional de idêntico modo, salvo se, por vindita, a Itália lá mantiver o extraditando. Quanto à Ministra Ellen Gracie, considero-a muitas vezes reacionária e não lhe aprecio o perfil de julgadora. Opinião pessoal. Por que razão a soberania se exerce cumprindo-se apenas tratados internacionais? Por quê? Não concordo. A soberania está mormente na autodeterminação dos povos e não na sujeição à prepotência de nenhum país europeu, cuja democracia se afigura ainda carecente de mais amplos valores. A minha irmã reside em Nápoli e está casada com um italiano há 9 anos. Por fim, quem disse que o Presidente da República descumpriu o acordo bilateral?!

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  6. Perdoe-me mas, excepcionalmente, discordo do seu posicionamento. Parece-me que o crime era politico a impedir sua extradição. Acresça-se a suspeitissima delação premiada que fundamentou sua condenação a revelia. A sustenção oral do Luis Roberto Barroso foi brilhante nesse sentido.

    Se o crime não era politico, sendo crime comum de homicidio, não atende o requisito da dupla punibilidade, uma vez que estaria prescrito pela legislação aqui de pindorama, conforme ressaltado pelo Min. Marco Aurélio.

    Por fim, o STF só delibera se o processo está de acordo com o tratado( Brasil-Itália) e a legislação regentes( Est. Estrangeiro) . Quem vai decidir se este vai ou nao ser entregue é o Presidente, a quem compete constitucionalmente decidir acerca das relações internacionais. A clava (forte?) da justiça manteve um preso preventivamente por 4 anos! 4 anos!

    Quanto ao Min. Gilmar Mendes o chilique dado no plenário não condiz com sua sólida formação juridica. Ainda sim pra mim, ele é disparado o mais preparado dos Ministros. Aliás, o STF, em regra, decide corretamente mas sempre fico com a sensação de justiça de classe (Daniel Dantas) ou politica ( PT e Batistti).

    Parabens pelo blog. Fica a sugestão de um post acerca do caso Palloci e do esdruxulo posicionamento do Gurgel. Você não vai aliviar o seu colega de MPF,certo?

    Do seu fã,

    Márcio Rocha

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    • Obrigado pela visita, Márcio. Vamos ao debate sobre esta extradição. Sobre o caso Palocci, posto depois:
      1) Não me comove o argumento de que Battisti ficou preso por 4 anos. Realmente é muito tempo para uma prisão extradicional. Culpe-se o STF por isto. Mas Battisti deveria ficar preso pelo resto da vida, já que condenado à prisão perpétua por 4 homicídios.
      2) no processo extradicional não se discute a correção ou não do julgamento originário. Isto foi feito pelos tribunais italianos. Gostamos que respeitem nossa soberania. Devemos também respeitar a deles. Fez-se coisa julgada lá.
      3) a Corte Europeia de Direitos Humanos (um tribunal independente) considerou que ação penal contra Battisti respeitou o devido processo legal. Que mais precisaríamos?
      4) Infelizmente o caso Battisti ganhou conotação política no Brasil. Fosse quem fosse o réu (de direita, de esquerda, de centro, democrata, comunista, anarquista, ditador ou marciano), eu seria favorável à sua extradição, para cumprimento do devido processo legal, especialmente pelo tipo de crime cometido. Se fosse um delitinho de bagatela, tudo bem. Mas são 4 homicídios. Para as famílias das vítimas, pouco importa se a motivação foi política ou não, como se fosse “nobre” matar por razões políticas.
      5) o modelo de extradição em que o(a) presidente tem a última palavra não tem mais lugar no cenário internacional. Veja o que diz Resek sobre o assunto. Houve uma evolução do instituto. Trata-se de matéria judiciária, ligada à persecução criminal. A recusa à cooperação é excepcional. Para impedir a extradição, só a concessão de refúgio e este o STF considerou ilegal.
      6) as famílias das vítimas continuarão esperando por Justiça.
      Abs.

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