As intromissões da lei penal


Com certeza, você já viu um destes

Muitas vezes ouvimos que a legislação penal é excessiva e se mete onde não é chamada. Em alguns casos é mesmo.

Todo mundo sabe que os serviços públicos no Brasil são sofríveis. Além da má prestação, há a falta de educação e até a ameaça. Em várias repartições públicas Brasil afora lêem-se aqueles simpáticos avisos: “Descatar funcionário público é crime punido com detenção de 6 meses a 2 anos (art. 331 do Código Penal)“.

Cuiriosamente, essas delicadas advertências estão postas justamente nas paredes dos órgãos públicos que têm o pior atendimento, com as maiores filas e com servidores que, sem serem cegos nem surdos, não enxergam e não escutam. 

Esses cartazes são um absurdo, porque, sendo uma infração penal de menor potencial ofensivo, não pode haver prisão em flagrante por desacato, nas condições do art. 69, parágrafo único, da Lei 9.099/95. Na verdade quem deve ser punido é o funcionário relapso, resmungão e mal-educado. Não dá vontade de prendê-los por desacato ao cidadão?

Aliás, acho que o desacato nem devia ser crime. A descrição desta figura na lei penal é muito ampla e costuma ensejar abusos. Certos policiais e autoridades têm verdadeira fixação por esse delito. Basta alguém questionar sua ação aqui ou ali e já se pode esperar a voz de prisão por desacato.

Falando nisto, me vem à mente outro crime que devia ser riscado do Código Penal. É o delito de bigamia, que está previsto no art. 235 do CP. Não defendo a poligamia, mas uma conduta como esta não precisa de pena. O réu bígamo tem duas sogras. É punição suficiente. O resto se resolve pelo dano moral e pelo divórcio ou anulação do casamento, com pensão dobrada, é claro.

O legislador devia fazer com a bigamia o mesmo que fez com o delito de adultério. A pena era de 15 dias a 6 meses e, com a revogação do art. 240 em 2005, a conduta deixou de ser crime para a felicidade geral da Nação. Os traídos também ficaram contentes. O único efeito desta infração penal era confirmar a traição mediante o devido processo legal. A feliz vítima podia emoldurar a sentença e afixá-la na cena do crime, com o tão aguardado pronunciamento judicial que confirmou a traição por decisão transitada em julgado.

Em suma: o Direito Penal tem mais o que fazer.

5 comentários

  1. Poderíamos prender também os que obrigam os servidores a administrar o caos e lidar com um volume de trabalho tão gigantesco que nem o super-homem daria conta! Quem dera fosse tão simples…

    Curtir

  2. Um retrato cotidiano de uma sociedade autoritária, com instituições autoritárias e que simpatiza e muito com o autoritarismo. Viva nosso Estado Costitucional e Ditatorial de Direito. Basta pensar que é bem-aceito que um juiz de 1º grau possa se recusar a realizar o atendimento aos súditos que se matam no seu feudo. O engraçado é que no mesmo País, você pode encontrar tranquilamente um ministro com um certo tempo para atender os cidadãos que litigam de boa-fé nos processos em que a competência lhe foi delegada….
    Parece que a máxima “os pobres lotam as cadeias enquanto os ricos enchem os tribunais” quando o inverso ocorre…traz a perversão de inserir o direito penal nos procedimentos inerentes a tramitação (ir)regular do processo.

    Curtir

  3. Boa noite a todos,

    Que coragem, que visão Doutor. O grande vilão dos maus atendimentos acho que são mesmo os cartoriais. Haja fila e paciência, haja perda de tempo e suco de maracuja. Não sei onde vamos parar e o pior é que se reclamar vai preso mesmo e aí, já foi. Como dizem aqui na nossa amada Bahia: “Santo Antonio tira a dor más não tira a pancada” e não deve ser nada bom ficar hospedado junto com todos os tipos de marginais só porque muitas vezes não aguentava mais acordar as 5 horas e não ser atendido. Tenho muito respeito pelas polícias, sejam elas civis, militares ou federais e graças a Deus até hoje nunca fui maltratado por nenhuma delas, apesar de já ter houvido falar de alguns casos.
    Hoje estava até meio triste por causa de alguns problemas que meus não são, mas que devido aos tão falados ossos do ofício, os mesmos terminam por trazer-me desconforto e constrangimento, porém, entrego tudo ao criador. Más essa das duas sogras foi demais. Rs… Imagine o cara com duas sogras? Existe castigo pior que esse? É, para que punição para um camarada que sentenciou-se com um castigo desses? Imagine a mistura. Duas mulheres, duas TPM, sabe-se lá quantos filhos, quantas mensalidades escolares? Planos de saúde e aí vai, haja despesa, desespero. Deus é mais, acho que uma mulher já satisfaz.

    Jorge Silva

    Curtir

Deixe um comentário