Ilegítima defesa: o réu e o “direito” de subornar


Autodefesa: assim não pode.

Está certo que as cadeias brasileiras são piores que a “kitchenette do capeta”. O condenado vira hóspede do inferno. Isto precisa mudar. Mas não dá para concordar com o exagero de certas teses defensivas que querem limpar a barra de autores de crimes graves a qualquer custo. Há alguns limites civilizatórios que não é possível ultrapassar. Toda hora inventam uma nova carochinha, uma justificativa mais estapafúrdia que a outra para “passar a mão na cabeça do réu”. – “Tadinho! É só um homicida”. Já chega de cafuné processual no Brasil! Veja isto:

Em 1º/mar, o STF teve de julgar uma tese bizarra. No HC 105.478/MT, a Defensoria Pública da União (DPU) pretendia absolver A.C.S., condenado por narcotráfico (art. 33 da Lei 11.343/2006) e corrupção ativa (art. 333 do CP). Para não ser preso em flagrante por tráfico de drogas, esse pacato cidadão de Porto Alegre do Norte/MT ofereceu propina de 10 mil reais ao policial militar que o revistou.

O Ministério Público recorreu da decisão de absolvição parcial proferida pelo juízo local e obteve êxito no Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Foi a vez do réu buscar as vias recursais para eliminar a condenação por corrupção, mas sem sucesso; seu recurso especial foi rejeitado pelo STJ, e então a questão foi alçada ao STF em habeas corpus impetrado pela DPU. Segundo a Defensoria, a oferta de dinheiro ao policial para que não fosse efetuada a prisão do traficante era “mero ato de autodefesa”, resultado do “desespero” do réu diante da iminência da prisão. Não estou inventando nada! Nem é primeiro de abril ainda. Believe it! A tese foi esta aí. Confira a notícia publicada na página do STF:

2ª Turma rejeita HC a homem que ofereceu dinheiro a policial por “autodefesa”

Por unanimidade, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiu pedido da Defensoria Pública da União em Habeas Corpus (HC 105478) que pretendia absolver A.C.S., condenado por tráfico de drogas e corrupção ativa, da segunda condenação. O relator, ministro Gilmar Mendes, rejeitou a tese da defesa, segundo a qual oferecer dinheiro a policial para que não fosse efetuado o flagrante configuraria “ato de autodefesa”.

A. foi condenado pela Vara Única da Comarca de Porto Alegre do Norte (MT) a seis anos de reclusão, por tráfico, e absolvido da denúncia de corrupção ativa. O Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJ-MT), ao examinar recurso do Ministério Público, modificou a sentença para incluir a condenação também por corrupção.

No HC, a Defensoria Pública sustenta que a oferta de dinheiro para evitar o flagrante é gesto de autodefesa, pois o autor, surpreendido pela autoridade policial, “entrou em pleno desespero e, unicamente com intenção de evadir-se do local para preservar sua liberdade, ofereceu a quantia já apreendida pelo policial para que este permitisse sua fuga”. A defesa observa que o dinheiro, apreendido juntamente com as drogas, já estava em poder dos policiais. “A condenação imposta pelo tráfico é mais que suficiente para garantir a reprimenda do paciente”, afirma a inicial.

O fundamento da defesa era o de que o ato estaria respaldado pelo artigo 5º, inciso LXIII da Constituição Federal, que garante ao preso o direito de permanecer calado. “O artigo reconhece o direito do agente de negar, de infirmar os fatos, de silenciar-se, mas não de oferecer dinheiro”, afirmou o ministro.

Ainda não acredita? Leia aqui a petição inicial do HC e aqui o parecer do MPF, que se manifestou pela denegação da ordem, em manifestação da lavra do SPGR Mario Gisi.

Neste caso, rechaçado de forma unânime e acachapante pela 2ª Turma do STF (graças ao bom Deus e ao relator Gilmar Mendes), chegamos aos píncaros do paroxismo das estratégias processuais estrambóticas. A tese era a da inexigibilidade de conduta diversa. Já se disse que vivemos num país hipergarantista, de garantismo hiperbólico (a expressão é do professor Douglas Fischer), a pátria do “coitadismo penal”. Mas agora foi demais! A ideia é a seguinte: o traficante não teria outra alternativa para salvar sua pele. Tinha de subornar o policial. A situação desesperadora “exigia” que o traficante corrompesse o sargento da PM. Alguém consegue explicar essa lógica tortuosa aos seus filhos e netos?!

Diria um servidor público honesto: – “Tenha santa paciência, seu traficante! Onde já se viu querer subornar um policial?”. E, olhando para o defensor público impetrante, esse mesmo funcionário do Estado exclamaria: – “O senhor só pode estar de brincadeira!”.

No mundo ideal imaginado pelo criativo defensor, um outro servidor público menos honesto poderia ter dito. – “Passe a grana para cá, mano. Embolso o dinheirinho como mandam a ‘jurisprudência’ e a Lei de Gerson. Afinal, cabe ao Estado assegurar a ampla defesa do réu. E eu, como representante do Estado, fico com a grana e você fica com sua liberdade. Siga seu rumo e não peque mais…”. Depois, completaria sem constrangimento: – “Mas se precisar se ‘defender’ de novo, não se acanhe! Estamos aí”.

Será que mais alguém aventurou-se ou aventurar-se-á a tirar do bolso esta tese revolucionária? Não coram? Espero que lhes falte coragem e lhes sobre juízo e que outros ousados estrategistas desistam disto. A “estória” não convenceu os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Carlos Ayres Britto, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa. Ufa!

Dedo no olho também não pode

Roubo (no bom sentido) a frase de um colega espirituoso, o Hélio Telho, de Goiás. Dentro em breve, haverá o habeas corpus 007, o que dá licença para matar. Em ampla defesa, é claro. Se o réu correr o risco de ser preso em flagrante por um crime qualquer, poderá exercer plenamente sua autodefesa e mandar um maiguiri no tórax do policial ou um soco megaton na cara do fiscal…

Se fosse vitoriosa a tese, teria surgido um novo “direito” fundamental: o de subornar a Polícia. Chega de malabarismos argumentativos, por favor! A corda é bamba e o poço é fundo.

29 comentários

  1. A Defensoria Pública cumpriu seu papel, não creio tão absurda a tese de autodefesa, tanto mais que: 1- Existem precedentes jurisprudencias em casos similares; 2- O juízo local acatou a tese.
    Como é que a DPU não iria suscitar e manter uma tese que foi vitoriosa em primeiro grau?
    De outro lado, o articulista do blog cumpriu seu papel de suscitar o debate e o fez com tanta pimenta que conseguiu enriquecê-lo, haja vista até mesmo a qualidade dos comentários apresentados pelos leitores.
    A contundência e a vêemencia também fazem parte do jogo. Estamos em um blog. Não enxerguei qualquer desrespeito em face da Defensoria Pública. O texto veio em tom provocativo – é verdade-, mas também foi muito bem fundamentado.

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  2. kkkkkkkk
    essa foi demais
    ja que para o réu caberia subornar o policial
    e respaldar-se na legítima defesa; penso que abram precedentes
    também ao policial corrupto…haja vista nos autos poder
    constar ”que o policial só exerceu o direito de sobrevivencia;
    pra incrementar a renda”; melhor ainda seria que retirassem
    as tipificações penais de corrupção passiva e ativa do CPB;
    brincadeiras….só pra descontrair…
    isso nao passa de uma vergonha!!! esses profissionais deveriam
    ter um mínimo de vergonha antes de propor tal defesa

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  3. Parabéns Vladimir, simplesmente nossa realidade exposta por pessoas de caráter e desejo de colocá-las em entendimento de todos os que fecham os olhos para a vergonha que vivenciamos.

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  4. Comentários corporativistas à parte, o que o colega Vladimir deve admitir é que, se a jurisprudência, mesmo que a seu contragosto, acata a tese da autodefesa para efeito da falsa identidade, há uma mínima plausibilidade, ao menos aos olhos dos tribunais, nos argumentos sustentados pela DPU. Nesse caso, não poderia a defesa restar inerte. Sou Defensor Federal e entendo que esse é nosso papel, o magistrado que julgue da forma como entender correto. Como bem ressaltou o Vladimir no último comentário, “o STF fez a sua parte”, e a DPU procurou, igualmente, fazer a sua. Parabéns a todos pelo debate.

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  5. Vladimir,

    Tenho certeza que você jamais daria o braço a torcer, mas convenhamos: seu post assumiu um tom abusivo para criticar a atuação do Defensor.

    Aliás, suas alternativas também são completamente descabidas e, caso fossem adotadas, poderiam ser criticadas da mesma forma. Inventar falta de dolo, de provas ou nulidades inexistentes, seria esdrúxulo. Se a sua ética permite inventar mentirinhas sem fundamento para absolver o réu, tudo bem (repito, foi você mesmo que fez estas sugestões…). E isso sem falar na impropriedade em discutir isso em HC no STF… seria também um absurdo processual.

    Não tenho dúvida de que o argumento do Defensor foi a melhor matéria de direito que poderia ser debatida no habeas corpus. Ainda que discordemos (e pessoalmente, até discordo), tenho que reconhecer que foi uma estratégia processual muito pertinente e completamente compatível com a postura de uma boa defesa técnica.

    Espero que no futuro seus posts tragam melhores fundamentos para criticar a atuação da DPU. Pois do jeito que ficou, parece até que, no fundo, no fundo, seu objetivo é despejar toda sua raiva numa instituição que vem ganhando espaço na sociedade (e que agora tem o direito de sentar no mesmo plano do MPF, ajuizar ACPs, etc.).

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    • Prezado José,

      Não fique angustiado. Não tenho raiva de advogados. Na minha família há seis. Todos bastante técnicos, felizmente. Quanto às ACPs, acho que a Defensoria pode e deve propô-las, respeitada a pertinência subjetiva-constitucional. E esse negócio de sentar no plano x ou y é uma grande bobagem. Não faço questão. Você faz?

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  6. Concordo com a opinião do professor Vladimir, realmente a tese da Defensoria foi “bizonha”. Mas o pior ainda foi a absolvição parcial do juízo local. Então, acho que não devemos condenar a atitude do Defensor Público, pois a função dele é essa. E também, a atitude do réu em oferecer propina aos policiais, já faz parte da cultura do nosso país, estranho foi ele não ter aceito. Quem nunca ouviu falar de pessoas que entram com Habeas Corpus quando um Policial Rodoviário o pega com a documentação do veículo irregular, ele “Habeas”carteiras e “Corpus” cem reais, e tá tudo resolvido.
    No mais, deve ter passado pela cabeça do Réu a seguinte questionamento: “O que é um peido pra quem está cagado?” rs, e a única coisa a fazer era naquela situação era tentar subornar o policial, que não é coisa difícil. Esse deu azar, assim como outros dão também, mas quando ví outro dia no Jornal Nacional o cara sendo preso em flagrante por tentar subornar um policial, e ele com uma câmera ligada falando com a maior firmeza do mundo “O senhor está preso por tentativa de suborno”, parecendo um super-heroi, ai fiquei pensando, por que será que aquele cara fez aquilo? é louco?
    Todos nós sabemos a resposta, ele não é louco, nem suicída, ele apenas é um cidadão comum, assim como nós, que estava acostumado a ouvir relatos de policiais corruptos, como nós ouvimos, e resolveu arriscar. Será que um dia veremos o contrário na TV? Será que é difícil flagrar um policial aceitando suborno? Acho que não, e acho até mais fácil do que pegar um recusando ou prendendo alguém como aconteceu.

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  7. Caro Vladmir,
    parabenizo-o pelo artigo. De fato, não há como alegar legítima defesa própria ou autodefesa valendo-se da sua própria torpeza. Infelizmente tal tese (a de autodefesa) ainda cola no STJ e no STF para absolvição de criminosos que utilizam falsa identidade para não serem identificados numa abordagem policial. O STJ torna letra morta do artigo 307, do Código Penal.
    Seu texto contribui para refletirmos os limites de “ampla defesa”. Até o princípio da ampla defesa tem limites.

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    • Isto, Gustavo. Vamos esperar que o ministro Dipp, que felizmente voltou à 5ª Turma, ponha os pingos nos ii. Ou que o STF defina a questão na recente reclamação apresentada pelo MP/RS.

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  8. Aos que não têm visão da seriedade da coisa,

    Sem citar nomes, apesar de leigo, creio que alguns dos comentaristas nunca passaram ou tiveram familiares que sofreram por atos praticados por criminosos que sempre se dizem bons meninos. Juizo! Pensem nisso antes de tentar defender quem não tem defesa, pois, como todos sabemos o crime provoca reações em cadeia, ou seja, crime sempre puxa crime e advinhem quem sai perdendo?

    Saudações a todos.

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  9. Que menino lindo Doutor,

    Socorro! Quem irá salvar-nos? Ainda bem que temos o nosso Bom e amigo Doutor Vlad. Deus é mais! Quantos criminosos bonzinhos. Dá até pena, coitadinhos. Más mesmo sendo tal camaradas, acho que o melhor local para eles é mesmo o trono prisional. E viva o reino dos bons meninos que tanto mal fazem a sociedade, ou seja, pior que um marginal desses na prisão é ver um cidadão de bem enjaulado no seu próprio lar ou ter sua família destruida pelas ínfluências desses cupins que só param quando vêm a casa desmoronar.

    Tudo de bom amigo Vlad.

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  10. Quero parabenizar a Defensoria Pública da União pela excelente defesa deste réu. Essa atitude, de tentar utilizar todos os recursos e todas as instâncias para absolver um acusado penal, contribui para a derrubada do velho mito de que pobre não tem um bom advogado para recorrer até a última instância em prol de seus interesses. O que temos é uma criminalização excessiva da pobreza e instituições policiais e acusatórias desestruturadas para investigar crimes de colarinho branco e outros delitos da classe dominante. Só atuam na base do flagrante da ralé… E, nestas horas, o acusado é capaz de tudo para preservar sua liberdade.

    Pior do que a atitude deste réu é ver empresários bem sucedidos se apropriando de contribuições previdenciárias de seus empregados e, pasmem, sendo absolvidos por inexigibilidade de conduta diversa (oh, dificuldades financeiras…), com parecer favorável do MPF!

    Aliás, ao ler textos como este, é que me recordo da advertência do mestre Carnelutti, sobre o mito da imparcialidade do Ministério Público: “Não é como reduzir um círculo a um quadrado, construir uma parte imparcial?” E como sentencia J. Goldschmidt, uma parte imparcial “cae em el mismo error psicológico que há desacreditado el proceso inquisitivo.” Portanto, também quero parabenizar o autor deste blog, membro do MPF, por ter tido a coragem de defender publicamente a visão unilateral da acusação.

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    • José,

      Acusar é bom? Seu comentário é um belo libelo contra o Ministério Público e me pareceu que você desempenhou bem o papel de acusador. 🙂

      Agora, falando mais sério. Que bom que a Defensoria existe! Mas é uma pena que alguns defensores não compreendam, caro José, que usar todos os recursos em favor do réu não significa o mesmo que usar “todos” os “recursos”. É muito bom que a Defensoria leve teses consistentes ao STJ e ao STF, porque isto resolve casos concretos e, por tabela, facilita o trabalho da Polícia e do MP, pela consolidação da jurisprudência desses tribunais com posições favoráveis ou contrárias à acusação ou à defesa. Você não me verá reclamar de HC, RE ou de RESP coerentes, com teses plausíveis, razoáveis ou inéditas mas fundadas. Mas não me privo do direito de considerar absurdas teorias como a invocada nesse HC. Não era mais fácil negar o dolo do agente num recurso qualquer ou pleitear a ilicitude da prova? Bastava dizer que o coitado do traficante não quis corromper aquele policial honesto (e ainda bem que era honesto!) ou que a busca foi ilegal. Mas autodefesa não, né? Sei que no fundo você percebe que essa tese carece de senso.

      Quanto aos criminosos de colarinho branco, você está absolutamente certo. Talvez você não saiba mas a minha atuação no MPF e antes como promotor na área de improbidade na Bahia sempre se centrou no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro inclusive em casos de grande envergadura e consequências transnacionais, na casa dos milhões de dólares. No post anterior, veja aí abaixo, relatei uma de minhas atuações contra autores de crimes financeiros no caso Banestado.

      Por outro lado, não concordo com a tese de que o crime do pobre deve ser perdoado e o do rico deve ser punido. A pena do hipossuficiente, claro, pode ou deve ser atenuada. Mas, se o crime ocorreu e não há justificativas legais, a sanção prisional ou alternativa deve ser aplicada.

      Por fim, não me queira mal por eu exercer minha liberdade de expressão como cidadão e como professor de processo penal. O blog não é um sítio do MP. Aqui a Polícia e o MP também “apanham” quando merecem. Veja aí abaixo os dois posts sobre o caso da escrivã de Parelheiros, nos quais critiquei a vergonhosa omissão da Promotoria local, e o post sobre a violência policial contra um motoqueiro em Feira de Santana, no qual “bati” em dois policiais militares.

      Fique em paz e volte sempre. Aqui a pluralidade de visões (não só a da acusação) sempre tem espaço.

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      • Eventual tese de ausência de dolo seria inviável na via estreita do habeas corpus, uma vez que demandaria o reexame de fatos e provas, já decididos pelas instâncias ordinárias.

        Saber se o paciente agiu com dolo, ou não, é questão de fato. Essa matéria, o STF NÃO conhece em sede de habeas corpus.

        Saber se a oferta feita pelo paciente constitui, ou não, crime é questão de direito. Essa matéria, o STF conhece em sede de habeas corpus.

        A tese de autodefesa no caso concreto, extraída dos autos para ser exposta à execração pública na internet, não apresenta nenhum contorno de excepcionalidade, como o autor (maliciosamente?) procura fazer crer.

        Na verdade, há sólida corrente doutrinária e jurisprudencial dando suporte a teses semelhantes, tal como ocorre nos casos em que o flagrado apresenta falsa identidade para evitar a prisão (v.g., STJ HC 151.470/SP, HC 140429/MG, HC 162576/SP, HC 148479 / MG e muitos outros).

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      • Antônio,

        Quem noticiou o fato foi o STF. E eu aqui o comentei, direito este que a CF me garante, certo? A tese que admite que o réu use de falsa identidade como autodefesa é tão absurda quanto este “novo” direito de subornar “por desespero”. Este é seu descendente direto.

        Lamento, mas não há nada de sólido na argumentação em torno da falsa identidade (art. 307 do CP) como forma de autodefesa. Esse pensamento mereceu guarida principalmente da 6ª Turma do STJ, que tem decisões muito hererodoxas em HC – instrumento processual que hoje serve para tudo – (foi esse colegiado que concedeu um HC para mandar retirar a fotografia do réu aposta numa denúncia…). É inacreditável que se aceite que um homicida ou um estuprador condenados ou não possam usar RG falsos para não serem presos pela Polícia. Que ética é esta? Que direito é este? Que princípios são estes?

        Creio que este desatino está com os dias contados no STJ, pois em out/2010 na Reclamação 4526 o ministro Gilson Dipp determinou a suspensão de todas as ações penais pelo art. 307 do País, justamente, suponho, para botar ordem na casa: http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/noticias/publicacao_noticias/2010/Outubro_10/DECIS%C3%83O.pdf.
        Em razão de tal suspensão, o MP/RS propôs outra reclamação, desta feita no STF, para que a matéria seja decidida na Corte Constitucional.

        Para mim, o réu não tem direito de mentir sobre sua própria identidade, assumindo a alheia ou uma falsa. Pode calar-se, é claro, como assegura a Constituição. Do mesmo modo que negou o “direito de subornar”, o STF também rechaça completamente o “direito de enganar” mediante falsa identidade. Veja o agravo regimental no RE 561.704/SP, relatado pelo ministro Ricardo Lewandowski e julgado há dois anos, em 3/mar/2009: “Aplicando orientação firmada pela Corte segundo a qual a atribuição de falsa identidade (CP, art. 307) perante autoridade policial com o intuito de ocultar antecedentes não configura autodefesa, a Turma, por maioria, manteve decisão monocrática do Min. Ricardo Lewandowski que provera recurso extraordinário criminal, do qual relator, em que o Ministério Público Federal refutava o trancamento, por atipicidade de conduta, de ação penal instaurada em face do ora agravante.“.

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      • A opinião do autor sobre teses defensivas possíveis de serem apresentadas em favor do réu não isenta a Defensoria Pública da União de cumprir suas atribuições.

        Independentemente do que pense o autor sobre a tese de autodefesa o fato é que há doutrina abalizada a respaldá-la, assim como significativa quantidade de decisões do STJ a acolhê-la.

        É um engano pensar que o HC “serve pra tudo” no STF, notadamente quando se trata de réu pobre. Tente discutir matérias que envolvem fatos e provas e a impetração não será conhecida.

        A superação da Súmula 691 realmente é necessária em alguns casos, em especial naqueles em que o acusador insiste em desperdiçar tempo e recursos públicos com questões já pacificadas pelo STF (v.g., princípio da insignificância).

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  11. Acho que esqueceram de avisar a alguém que a defesa técnica é INDISPONÍVEL.
    Muito bonito, o que seria dos assistidos se a Defensoria Pública, no mais das vezes a última tábua de salvação do cidadão hipossuficiente, julgando ser a tese “A” ou “B” absurda simplesmente se mativesse inerte, ou até mesmo concordasse com a presensão acusatória?! Garanto que o trabalho dos Defensores seria muito mais fácil, apesar de hipócrita.
    Defensor pede, MP dá “pitaco”, mas no fim, quem decide é o juiz. O que não pode é Defensor querer dar uma de MP e Magistrado e (pré)julgar seu assistido abandonando-o à sua própria sorte…

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    • Thiago,
      A defesa TÉCNICA é indisponível, mas o abuso e a falta de técnica são lamentáveis, especialmente vindos de um órgão respeitável como a Defensoria Pública da União, instituição tão essencial à Justiça quanto o Ministério Público e a Advocacia. Seguramente, o defensor em questão conhecia melhores argumentos do que os que empregou diante do STF, mas preferiu ver no que ia dar.
      Ninguém disse que era para a DPU ficar inerte, nem que era para concordar com o MP ou com o TJ. Só para lembrar: em um recurso qualquer o defensor poderia ter argumentado com a falta de dolo do agente, poderia ter alegado falta de provas (fragilidade do depoimento do policial), podia ter sustentado que as provas eram nulas, etc. Mas isto aí?!
      Ao contrário do que vc imagina, não considero o Ministério Público uma instituição infalível. No caso da escrivã de Parelheiros critiquei a atuação da minha própria casa. Então sinto-me muito à vontade para criticar os abusos de outras instituições. E, como professor de processo penal em instituições públicas, não me privo de ensinar aos meus alunos (o blog é mais para eles) como devem ser uma acusação técnica e uma defesa técnica.

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      • Discutir falta de dolo e fragilidade de provas em HC no STF, para réu pobre?!? Com todo o respeito ao posicionamento do Professor, mas o Defensor do caso estava certíssimo e fez muito bem em não perder tempo com isso. Seu habeas corpus receberia uma acórdão modelão de indeferimento na hora…

        Além do mais, se recentemente o STJ afirmou que o acusado pode se identificar falsamente perante a autoridade policial ao ser preso em flagrante – sem que isso configure crime, mas sim exercício de autodefesa -, verifico que o Defensor em questão foi muito criativo e inteligente em tentar ampliar este precedente no caso concreto.

        No entanto, mais uma vez gostaria de ressaltar também a coragem do autor deste blog, em defender o posicionamento da acusação. Aliás, ainda bem que do outro lado da relação processual há uma parte, também parcial, com outra visão. Não fosse assim, jamais a o regime integral fechado da lei de crimes hediondos seria derrubado, assim como a absurda vedação à substituição da pena privativa de liberdade e concessão de liberdade provisória na lei 11.343/2006 (e tantas outras argumentações defensivas, que, aos olhos do acusador, são absurdas, como insignificância no descaminho e furto, etc.).

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      • Como é que é?

        Discutir “falta de dolo” ou alegar “falta de provas” na via estreita do habeas corpus?

        Isso quando as instâncias ordinárias já proferiram decisões em sentido diverso?

        Com a devida vênia, essa opinião do autor é absolutamente desvinculada da realidade prática relativa à tramitação de habeas corpus perante os Tribunais Superiores.

        Semelhante argumentação indica que o autor não sabe (ou faz de conta que não sabe) a facilidade com que inúmeras impetrações simplesmente não são conhecidas, mediante o singelo fundamento de que a matéria versada demandaria o conhecimento de fatos e provas, o que não é admitido na via estreita do habeas corpus.

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      • Era para ser assim, Antonio, mas não é mais. Mas ultimamente o HC tem servido para tudo. Posso citar vários em que houve revolvimento de prova. Mais um não seria novidade… Essa via estreita já foi alargada e pavimentada pela jurisprudência, a ponto de hoje termos uma nova doutrina brasileira do habeas corpus, segundo a qual o HC serve como sucedâneo recursal no exclusivo interesse do paciente. Basta ver que são poucos os RE da defesa no STF. Quase tudo chega lá em HC e muitas vezes com afastamento da súmula 691 do próprio Supremo.

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  12. O Brasil é o país da piada pronta. FAVOR PUBLICAR MEU COMENTÁRIO!!!

    Pior que essa defesa, só o suborno oficial para algumas categorias do serviço público, verdadeiros “capitães do mato” da época da escravidão, (só vão atrás de pobres) e são regiamente pagas (algumas recebem diárias de quase dois salários mínimos e tem “encontros” financiados por bancos) para fingir que fazem alguma coisa em defesa da lei e da constituição, e no fundo, no fundo, só protegem o poder político cleptocrata com uma acachapante e vergonhosa omissão, que de tão grande, estão virando motivo de piada internacional.

    Não tem mídia que de jeito nisso professor!!!

    A defesa e a fiscalização da lei no Brasil foi transformada em moeda de troca. – Ei seu governador, me dá um aumento aí, que eu finjo que não vejo nada de errado que vc, seus deputados e seus tribunais de faz de contas estão fazendo!!!!! Fingimos que não enxergamos que o SUS é assassino, que a educação pública é uma merda, que vcs gastão bilhões em publicidade para roubar com mais facilidade, que não tem coleta e nem tratamento de esgoto, que a água potável, não é potável, que os supermercados não colocam preços nos produtos que vendem, que os pedágios são um roubo, que a justiça virou a geni da república…que a programação de tv e rádio contrariam frontalmente os dispositivos constitucionais regulamentares e ajudam a transformar o povo em um bando de idiotas, etc…
    Seu blogueiro, ajude a colocar os políticos e empresários ladrões que infestam este Brasil nessas cadeias, que rapidinho elas serão reformadas, em condições de manter seres humanos presos! Prender pobre é fácil!!!!

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    • Fácil é criticar. O MPF, que se diz o defensor da moralidade e da ética, recebe de diária mais que a maioria da população brasileira, mas jamais impetrou sequer uma ação civil ex delicto. Ficam em seus gabinetes luxuosos (os que ficam) e es

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      • Fabiano,
        A ação civil ex delicto só pode ser proposta por advogado ou por defensor público, já que aí se tutela direito individual disponível, não abrangido pelas atribuições constitucionais do MP. Neste particular, o art. 68 do CPP não foi recepcionado. Mesmo assim, quando fui promotor de Justiça no interior da Bahia, onde não havia Defensoria propus algumas dessas ações civis em prol de vítimas de crimes juridicamente pobres, já que o STF ensina que tal artigo é uma norma não recepcionada “ainda” constitucional, tendo em vista que a DP e a DPU não estão organizadas em todo o País.
        Então, a carapuça não me serve. No mais, o seu texto veio sem a parte final. Abs.

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  13. Texto muito bom, Vlad.

    Concordo com vc.

    No geral, admiro muito os Defensores Públicos, pois eles representam as classes mais desfavorecidas da sociedade e contribuem para a justiça social. E a Defensoria Pública, como Instituição, também possui muita importância.

    Agora, cá entre nós, algumas teses são difíceis de engolir, né?! Tentar corromper policial agora virou extensão da autodefesa? Imagine tentar sustentar isso nas ruas, perante a população comum. Creio que teria pouquíssima aceitação social.

    Com todo o respeito aos Defensores Públicos, essa foi de doer, hein?!

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