STF reafirma poder investigatório do MP


Esse assunto já cansou, mas lá vai. Mais uma vez, a 2ª Turma do Supremo Tribnal Federal (STF) reafirmou o poder investigatório do Minsitério Público.
Este tema é objeto de discussões acirradas há vários anos. A Polícia é contrária a essa atribuição ministerial. Aos poucos, o STF vem firmando posicionamento a favor do Ministério Público.
Leia a ementa do HC 99.363/SC, julgado em 19/02/2010, sob a relatoria da ministra Elen Gracie:
“DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ALEGAÇÕES DE PROVA OBTIDA POR MEIO ILÍCITO, FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA E EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. PODERES INVESTIGATÓRIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, IMPROVIDO.
1. O recurso extraordinário busca debater quatro questões centrais: a) a nulidade do processo em razão da obtenção de prova ilícita (depoimentos colhidos diretamente pelo Ministério Público em procedimento próprio; gravação de áudio e vídeo realizada pelo Ministério Público; consideração de prova emprestada); b) invasão das atribuições da polícia judiciária pelo Ministério Público Federal; c) incorreção na dosimetria da pena com violação ao princípio da inocência na consideração dos maus antecedentes na fixação da pena-base; d) ausência de fundamentação para o decreto de perda da função pública.
2. O extraordinário somente deve ser conhecido em relação às atribuições do Ministério Público (CF, art. 129, I e VIII), porquanto as questões relativas à suposta violação ao princípio constitucional da presunção de inocência na fixação da pena-base e à suposta falta de fundamentação na decretação da perda da função pública dos recorrentes, já foram apreciadas e resolvidas no julgamento do recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça.
3. Apenas houve debate na Corte local sobre as atribuições do Ministério Público, previstas constitucionalmente. O ponto relacionado à nulidade do processo por suposta obtenção e produção de prova ilícita à luz da normativa constitucional não foi objeto de debate no acórdão recorrido.
4. Esta Corte já se pronunciou no sentido de que “o debate do tema constitucional deve ser explícito” (RE 428.194 AgR/MG, rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, DJ 28.10.2005) e, assim, “a ausência de efetiva apreciação do litígio constitucional, por parte do Tribunal de que emanou o acórdão impugnado, não autoriza – ante a falta de prequestionamento explicíto da controvérsia jurídica – a utilização do recurso extraordinário” (AI 557.344 AgR/DF, rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJ 11.11.2005).
5. A denúncia pode ser fundamentada em peças de informação obtidas pelo órgão do MPF sem a necessidade do prévio inquérito policial, como já previa o Código de Processo Penal. Não há óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente a obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal, mormente em casos graves como o presente que envolvem a presença de policiais civis e militares na prática de crimes graves como o tráfico de substância entorpecente e a associação para fins de tráfico.
6. É perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito, ainda que a título excepcional, como é a hipótese do caso em tela. Tal conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação da opinio delicti.
7. O art. 129, inciso I, da Constituição Federal, atribui ao parquet a privatividade na promoção da ação penal pública. Do seu turno, o Código de Processo Penal estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa para a denúncia.
8. Há princípio basilar da hermenêutica constitucional, a saber, o dos “poderes implícitos”, segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim – promoção da ação penal pública – foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que “peças de informação” embasem a denúncia.
9. Levando em consideração os dados fáticos considerados nos autos, os policiais identificados se associaram a outras pessoas para a perpetração de tais crimes, realizando, entre outras atividades, a de “escolta” de veículos contendo o entorpecente e de “controle” de todo o comércio espúrio no município de Chapecó.
10. Recurso extraordinário parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.
(Recurso Extraordinário n. 99.363/SC, Relatora Ministra Ellen Gracie, 2ª Turma, unânime, julgado em 01/12/2009, publicado no DE em 19/02/2010)”.
Quem quiser ler um excelente livro sobre este tema, recomendo a obra do colega Bruno Calabrich, do MPF/SE.
  • Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

4 comentários

  1. Somente agora posso entender melhor ‘as teorias’ associadas com a praxe, pois visitei o “BLOG DO VLAD” e conheci melhor a origem, as fontes, bem como, a formação de tão jovem e capacitado profissional.
    Quanto ao tema, devo dizer que a CF/88, em que pese já tenha completado a sua maioridade (05/10/88), ainda se apresenta de forma tímida quanto a sua maturidade. Não é difícil para um bom hermeneuta ou garantista enxergar a necessidade do MP realizar a investigação necessária para elucidação de fatos, objetivando assegurar não só a fiscalização da lei, mas também a persecução dos sujeitos (muitas vezes escamoteados) com a proteção de cargos ou funções públicas. Ademais, estou convicto que o Parquet não foi criado para acusar, mas para cumprir um papel que não existia no sitema inquisitório de investigação. Diante do exposto, espero que a existência dos ‘Podere Implícitos’ permita que as contingências destes profissionais que labutam quer como fiscais da leis, quer como procuradores dos cidadãos, sejam pelo menos minimizadas através de decisões judiciais, principalmente do STF que vinculem os demais órgãos do Poder Judiciário, objetivando dar maior celeridade às demandas judiciais sob a racionalidade do princípio constitucional basilar da ‘Dignidade da Pessoa Humana”

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  2. O problema nao e o mp investigar, mais sera se tudo poder investigar sem legislação. Na ditadura militar tudo mundo investigava, prendia……

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  3. Tenho também o livro do Calabrich, recomendo. Vlad, sou a favor da investigação preliminar pelo Parquet. Nao obstante, entendo que o presentante do quarto poder que atuar na fase inquisitorial não deveria ser o mesmo a oferecer a denúncia, nem o mesmo a atuar na fase judicial propriamente dita. Qual sua posição? Abrs.

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  4. Olá Vladimir,

    O tema dos poderes investigatórios do MP, a meu sentir, já está consolidado em vários precedentes da 2ª turma do STF, de modo que o não reconhecimento dessa prerrogativa pelo plenário causaria enorme surpresa. Todavia, é interessante atentar para o fato de a maioria desses precedentes tratar da apuração de infrações penais praticadas por policiais. Salvo engano, o ministro Cezar Peluso, fez uma ressalva quanto ao seu entendimento sobre a matéria para aderir à tese dos poderes investigatórios do MP apenas nesses casos específicos, assim como ministro Gilmar Mendes, crítico mordaz da instituição ministerial, em audiência pública realizada na CCJ do Senado Federal.

    Grande abraço

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